“Prejuízo monstro”: relatos de quem apostou na Americanas e se deu mal

Reportagem do Metrópoles conversou com acionistas minoritários da Americanas que investiram em papéis da empresa e ficaram no prejuízo

atualizado 24/01/2023 20:05

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Reprodução/LinkedIn

A história da crise na Americanas, que teve aprovado pela Justiça um pedido de recuperação judicial e está mergulhada em dívidas estimadas em R$ 43 bilhões com mais de 16 mil credores, também pode ser contada sob o ponto de vista dos acionistas minoritários – aqueles investidores que possuem pequena participação na empresa.

Ao contrário dos majoritários, que detêm o controle de mais de 50% de uma companhia, têm direito a voto e muitas vezes contam com acesso a informações internas inalcançáveis para o pequeno investidor, os acionistas minoritários, geralmente, não têm tantos meios à disposição.

A reportagem do Metrópoles conversou com dois administradores de empresas que investiram em papéis da Americanas e acumularam prejuízo com a derrocada da empresa. Na sexta-feira (20), a ação da companhia se despediu do Ibovespa – principal índice da Bolsa de Valores brasileira – em queda de mais de 30%, negociada a R$ 0,71, sua mínima histórica. A B3 informou que a Americanas terá as ações excluídas de todos os índices da Bolsa.

“O que fez a gente investir na Americanas é que se tratava de uma empresa com 40 anos de mercado, bem estruturada, sólida, uma marca forte. E por trás dela havia os gestores da 3G Capital (Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, acionistas de referência da empresa e ex-sócios majoritários do negócio), que são os três homens mais ricos do Brasil“, afirma Luiz Henrique Limonta, de 53 anos, administrador de empresas paranaense com foco em investimento no mercado de capitais.

“Olhando a credibilidade que esses caras passavam ao mercado em relação à gestão profissional deles, você acaba confiando e adquirindo ações”, completa Limonta, que investe em ações há cinco anos e prioriza títulos de longo prazo.

O acionista minoritário comentou ainda a nota divulgada pelos donos da gestora de investimentos 3G e de um patrimônio de cerca de R$ 160 bilhões. No fim de semana, Lemann, Telles e Sicupira disseram, por meio de um comunicado oficial, que não tinham conhecimento e jamais admitiriam “quaisquer manobras ou dissimulações contábeis na companhia”.

“Para nós, é difícil acreditar nessa nota. O Miguel Gutierrez, que era o CEO da empresa (deixou o cargo em dezembro de 2022, substituído por Sergio Rial), reportava direto para o Sicupira”, diz Limonta. “Se eles não sabiam, é muita irresponsabilidade e muita falta de capacidade deles em relação à governança da Americanas. Além disso, é importante destacar que a eventual ignorância deles em relação ao fato não os exime de culpa.”

O administrador de empresas André Krizak, de 48 anos, que investiu cerca de R$ 40 mil em ações da Americanas, também é cético em relação ao discurso do trio de acionistas de referência. “Com o olhar para negócios que eles têm, seria de uma enorme ingenuidade acreditar nisso. É de um desconhecimento incabível. Se eu estivesse em uma empresa e isso tivesse acontecido comigo, eu perderia meu emprego na hora”, afirma.

Questionado sobre o prejuízo estimado com o derretimento das ações da Americanas, Luiz Henrique Limonta, por sua vez, prefere não revelar valores. “A nossa locação é de longo prazo. Sempre ficamos posicionados no papel, mesmo se ele está dando lucro. A Americanas já chegou a dar 40%, 50% de lucro para nós e não fizemos a liquidação do papel. Hoje, ela está dando esse prejuízo monstro”, diz.

Limonta tenta manter a esperança de que a delicada situação da companhia possa ser revertida em um futuro próximo. “No primeiro momento, temos que ter muita cautela. Esse mercado de ações é bem volátil, sobe e desce praticamente todos os dias. Estamos avaliando as consequências do que aconteceu”, afirma. “No fundo, ainda temos uma certa esperança de que isso possa se reverter, que os sócios majoritários possam fazer o aporte necessário na empresa, para que ela não vá à falência.”

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Marcel Herrmann Telles, 73 anos (3G Capital)
Carlos Alberto Sicupira, 69 anos (3G Capital)
Jorge Paulo Lemann
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Beto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles, sócios de empresas como Americanas, Ambev e Kraft Heinz

Editora Sextante/Divulgação
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Marcel Herrmann Telles, 73 anos (3G Capital)

reprodução
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Carlos Alberto Sicupira, 69 anos (3G Capital)

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Jorge Paulo Lemann

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“Quero que a Americanas continue existindo”

Temporariamente fora do ambiente corporativo, em tratamento de um câncer de pele e fazendo um mestrado em varejo pela Fundação Getulio Vargas (FGV), André Krizak se define como “um apaixonado pelo varejo brasileiro”, motivo pelo qual decidiu investir em ações da Americanas.

“O varejo move a nossa economia. A primeira loja em que trabalhei como promotor de vendas foi a Americanas. Tenho uma ligação emocional com a loja e gosto de investir no varejo”, afirma.

Segundo ele, no dia 11 de janeiro, quando fez um aporte nos papéis da companhia, “o vento estava muito favorável”. “O preço da ação estava se recuperando, o fundo BlackRock (maior gestora independente de recursos do mundo) tinha acabado de comprar 5% das posições. O balanço tinha a assinatura da PwC, uma empresa de auditoria com credibilidade internacional. Achei que estava seguro no que tange a fraudes, por exemplo. Também me trouxe uma suposta segurança a chegada do Sergio Rial (ex-CEO da Americanas, anunciado em agosto do ano passado, que assumiu o cargo em 1º de janeiro de 2023 e renunciou 10 dias depois)”, conta.

Questionado sobre o que pretende fazer para tentar recuperar pelo menos parte do dinheiro que perdeu – desde a data da compra da ação, a estimativa é de perdas de R$ 65 mil –, Krizak diz que seu desejo é o de que a Americanas não feche as portas.

“Eu quero garantir que a Americanas continue existindo. Estados falando de 40 mil empregos no Brasil. Eu, pessoalmente, liderei uma empresa na área comercial em recuperação judicial. É extremamente desafiador”, afirma. “O próximo passo é reunir o maior número possível de pessoas, inclusive os funcionários que vierem a ser demitidos na recuperação judicial, para que todos possam receber o que lhes é devido. Eu quero o meu capital investido de volta e que os empregos das Lojas Americanas sejam mantidos.”

É preciso demonstrar que houve ato ilícito, diz advogado

Ouvido pela reportagem do Metrópoles, o advogado Pedro Almeida, especialista em contencioso empresarial e arbitragem no GVM Advogados, detalha quais devem ser os próximos passos dos acionistas minoritários da Americanas que se sentirem lesados – e as dificuldades burocráticas que os aguardam na esfera judicial.

“Será necessário demonstrar que houve um ato ilícito, eivado de dolo ou culpa. Nesse caso, seria a própria apresentação incorreta das demonstrações financeiras. Em segundo lugar, os prejuízos teriam de ser demonstrados. Esse é o ponto mais sensível porque a cotação está sujeita a flutuações. Uma ação judicial de hoje provavelmente só terá um desfecho daqui a dois ou três anos, quando a cotação das ações já pode ter se recuperado”, afirma Almeida.

Como noticiado pelo Metrópoles, em primeira mão, na semana passada, o advogado Daniel Gerber, representante de alguns acionistas minoritários da Americanas, pedirá ao Ministério Público Federal (MPF) que investigue a varejista e a multinacional de auditoria PwC pela eventual prática de crimes contra o mercado de capitais e financeiro. A atuação da Americanas e da PwC também será alvo de investigações por parte da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e de conselhos de classe.

“Nós vamos pedir expressamente o bloqueio de bens dos diretores e dos integrantes do grupo controlador das Americanas e também dos diretores da PwC”, afirmou Gerber, em entrevista ao Metrópoles.

O advogado solicitará que sejam investigadas questões como “insider trading” (uso de informações privilegiadas para obter vantagens no mercado de capitais), gestão fraudulenta, venda de ações sem lastro e organização criminosa.

Na avaliação de Pedro Almeida, as ações junto ao MPF e à CVM “são eficazes para os acionistas, porque servem para produzir prova para uma eventual demanda indenizatória”. “Os órgãos estatais são muito mais aparelhados para conseguir documentos do que os acionistas como sujeitos privados. O andamento desses inquéritos e processos disciplinares deve ser usado em arbitragens e demandas coletivas”, afirma.

Procurada pelo Metrópoles, a PwC informou que não comenta casos envolvendo clientes. A assessoria da Americanas não havia respondido até a publicação desta reportagem.

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