Acontece que um Congresso faminto por dinheiro para gastar como quiser tenta encurralar o governo de um presidente da República recém-empossado que sente-se obrigado a entregar aos brasileiros a maioria das coisas que prometeu durante a campanha.
E acontece que o governo resiste a ceder mais dinheiro a um Congresso empoderado que soube avançar sobre o Orçamento da União aproveitando-se da fraqueza dos dois mais recentes presidentes da República: Michel Temer e Jair Bolsonaro. Lembra deles?
Vice de Dilma Rousseff, a presidente que o Congresso derrubou para estancar a sangria da Lava Jato que ameaçava boa parte dos seus membros, Temer foi duas vezes acusado de corrupção. E para não ser cassado, deu ao Congresso tudo o que ele pediu e muito mais.
O fantasma do impeachment fez Bolsonaro render-se às vontades mais bizarras dos senadores e deputados federais. Ocorre que isso não lhe fez muito mal: Bolsonaro só queria destruir a democracia para se eternizar no poder. Como ditador, o Congresso não o enfrentaria.
Mas foi Lula o eleito em 2022, e Bolsonaro passou à história como o único presidente que não conseguiu se reeleger, por mais que tenha gastado para isso. Nunca uma eleição foi tão roubada, e nunca uma eleição foi decidida por uma diferença tão minúscula de votos.
Então, temos de um lado um Congresso extremamente ambicioso e conservador; e do outro, um presidente reconhecidamente progressista. Lula, no passado, já foi de esquerda, ou pareceu ser. Na verdade, sempre foi um conciliador, atento à direção dos ventos.
O pano de fundo da atual crise política é uma Constituição de DNA parlamentarista que sustenta um regime presidencialista. Era para que o presidencialismo cedesse de vez em 1988 ao parlamentarismo que os brasileiros já haviam rejeitado duas vezes de 1963 para cá.
Na ocasião, os militares não concordaram. O presidente José Sarney também não. Foi promulgada uma Constituição híbrida, o monstrengo que temos. Fala-se, agora, em semipresidencialismo para não se falar novamente em parlamentarismo. Ou para gerar outro monstro.
A fórmula seria a mesma: um Congresso forte com um presidente decorativo, ou quase isso. Se a fórmula já tivesse sido adotada, por exemplo, Lula seria hoje o presidente, Lira o primeiro-ministro, e como tal governaria. Por que não se convoca um plebiscito para ouvir os brasileiros a respeito?
É possível que o façam, mas não enquanto Lula governar. E ele não pensa em deixar a presidência antes de 2030. Lula terá de engolir Lira até o fim do mandato dele de presidente da Câmara. Ou seja: até fevereiro do próximo ano. Nada indica que o sucessor de Lira será melhor do que ele.