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Briga do orçamento é beco sem saída

STF poderia ser mediador, mas tem seus próprios embates com o Congresso

atualizado 08/02/2024 0:05

Vinícius Schmidt/Metrópoles

A pressão de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, sobre a fatia parlamentar do orçamento é praticamente diária. Em seu discurso na abertura dos trabalhos do Congresso, o líder do Centrão deixou evidente que avançar sobre as verbas federais é um direito adquirido. Não se vislumbra trégua, e as perspectivas não são boas para o Executivo.

“Eu não vejo como essa situação vai mudar. O Congresso está muito fortalecido. Claro, um presidente é um ator com muitos recursos de poder, o Congresso sabe que é de lá que vem dinheiro para as suas emendas. O presidente precisaria de um acordo programático. Mas é difícil acreditar que seria o suficiente para convencer parlamentares do centrão a ter um espírito mais republicano”, analisa Eduardo Grin, cientista político e professor da FGV

Por que deputados abdicariam de tanto poder? É um festival de transferências de recursos através de emendas individuais, de bancada, de comissão, acompanhadas por transparências ausentes ou duvidosas. É um jogo em que só os congressistas ganham. Mesmo com o veto de Lula, há cerca de 45 bilhões de reais para emendas em saúde, educação e infraestrutura. Dinheiro que vai direto para os redutos eleitorais dos parlamentares.

“Vou exagerar, mas estamos vivendo um parlamentarismo, no qual o Congresso tem ficado muito mais com o bônus do que com o ônus. Um primeiro-ministro teria que suar para defender um programa de governo, garantir a permanência dos ministros, haveria mais corresponsabilidade com os deputados. Mas não é o caso”, critica Grin. Para o professor, todo o desgaste para explicar cortes no orçamento ou ausência de políticas públicas é do Executivo, enquanto o Congresso pressiona para executar verbas de seu interesse. E se o governo não aprovar seus projetos, é dele a incompetência para organizar uma base na Câmara.

Quando o STF julgou inconstitucional o orçamento secreto do governo Bolsonaro, muitos apostavam que os ministros do Supremo poderiam mediar o conflito. Mas a Corte poderá ter que escolher suas brigas. Com os inquéritos do 8 janeiro e das fake news desatando a ira da oposição, outras decisões polêmicas, como a do marco temporal, provocarão ainda mais atritos com o centrão. Nesse caso, a praça será um ringue de Dois Poderes.

E a margem de manobra do governo é cada vez menor. A aprovação da reforma tributária foi resultado de um enorme esforço. Das 48 Medidas Provisórias apresentadas por Lula em 2023, somente 9 viraram lei, o menor percentual em 23 anos, segundo o site Poder360. O governo tem menos fichas para apostar e menos tempo para negociar, já que as eleições municipais paralisam o Congresso no segundo semestre.

Fique claro que há nada de errado os parlamentares terem direito à proposição de emendas. É do jogo políticos atenderem às necessidades de suas bases eleitorais. Mas o governo tem um orçamento engessado, com somente 200 bilhões de reais para investimentos. Cerca de 25% desse valor fica com os parlamentares, que não dialogam com as pastas. Isso compromete o planejamento de políticas públicas de um projeto que foi eleito para aplicá-las.

Lula deve sentir saudades de seus primeiros dois mandatos, quando o presidencialismo de coalizão, cultivado desde a redemocratização, estava consolidado. “Era época da cenoura e do porrete. Votou com o governo, cenoura; votou contra, porrete”, brinca Grin. O Poder Executivo não suportou a série de presidentes fracos, Dilma-2, Temer, Bolsonaro. E o Legislativo se agigantou.

Na assimetria dos poderes, o jogo virou. Até Dilma, o Executivo cozinhava recursos à banho-maria, e a maioria de votos no Congresso se festejava com ministérios e cargos. Não era simples, mas a aprovação de projetos ou MPs era alimentada pela promessa de execução de uma emenda. O que era moeda valiosa, hoje é roupa comum. Sob a liderança de Lira, que navega no legado de Eduardo Cunha, Lula foi eleito semipresidente do Brasil. A fragmentação do Centrão, com a sucessão do alagoano na presidência da Câmara, pode ajudar o Executivo. Talvez.

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