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Um futuro para a Argentina (por Marcos Magalhães)

Sérgio Massa precisa convencer os jovens argentinos que eles têm um futuro pela frente em seu próprio país

atualizado 24/10/2023 1:20

Imagem colorida da bandeira da Argentina em pedaços - Metrópoles Getty Images

Confirmar em segundo turno a vitória sobre o autodenominado anarcocapitalista Javier Milei, em 19 de novembro, é apenas uma das árduas tarefas à espera do peronista Sergio Massa. A mais difícil talvez seja outra: convencer os jovens argentinos que eles têm um futuro pela frente em seu próprio país.

No complicado sistema eleitoral do país vizinho, Massa saiu derrotado nas eleições primárias em agosto. Obteve apenas 21% dos votos, contra 30% de Milei. Mas ainda havia dois turnos de eleições gerais pela frente, e o peronista surpreendeu pelo poder de reação.

De seus 21% iniciais chegou a 36% – não o suficiente para levar a eleição no primeiro turno, mas um número capaz de mostrar que o peronismo segue vivo. Milei repetiu os 30% das primárias e precisará de uma habilidade política ainda não demonstrada para virar o jogo.

Em algo, porém, o ultradireitista parece haver superado o candidato governista: na adesão de novos eleitores em sua campanha. Segundo relatos de observadores do movimento nas ruas, Milei esteve cercado de jovens, enquanto Massa atraía grisalhos simpatizantes do peronismo.

Será que o peronismo envelheceu? Ainda é cedo para saber, mas aparentemente muitos de seus simpatizantes depositaram nas urnas votos para Massa mais como um dever de fidelidade à história do que como exercício de esperança.

Ou, talvez ainda, como resultado do temor de um grande corte nos subsídios que preservam milhões de argentinos da pobreza – e mantêm elevado o déficit nas contas públicas, que, por sua vez, leva à emissão de moeda e à estonteante inflação de 140% ao ano.

Os mais politizados entre os peronistas também terão exercido uma espécie de voto de contenção, a exemplo do que tem ocorrido em países como a França e os Estados Unidos. Os franceses o chamam de “voto dique”, destinado a conter o avanço da extrema direita.

Diante do fôlego da campanha de Massa, pode-se dizer que ele tem boas chances de vencer o segundo turno e tomar posse como o 52º presidente no dia 10 de dezembro, 40 anos depois da posse do presidente Raúl Alfonsín, que marcou o fim do sangrento regime militar.

Se for assim, Massa já terá cumprido a importante tarefa de afastar da Casa Rosada, pelo menos temporariamente, um candidato que colocou em dúvida, várias vezes, a extensão do desrespeito dos militares pelos direitos humanos.

Este, porém, será apenas o início. Muitos dos eleitores argentinos não haviam sequer nascido quando estava no poder um regime marcado por prisões arbitrárias, torturas, sequestros, desaparecimentos e, para completar, uma guerra contra o Reino Unido pelas ilhas Malvinas.

Os jovens argentinos, muitos deles eleitores de Milei, já nasceram sob a democracia. Elegeram deputados, senadores, governadores, presidentes, mas parecem haver sido tomados por uma insatisfação que se aproxima do desencanto. Como se os sucessivos governos não houvessem sido capazes de oferecer estabilidade econômica e oportunidades de trabalho.

As decepções acumuladas parecem ter aproximado muitos desses jovens de um candidato que tem como símbolo a motoserra e promete deixar ao livre mercado o protagonismo na oferta de bens tão essenciais como educação e saúde.

Quando podem, muitos jovens deixam a Argentina. Há meio século, eles fugiam dos horrores do regime militar. O chamado terrorismo de Estado, implantado entre 1976 e 1983, motivou a saída do país de algo entre 250 mil e 500 mil pessoas.

No começo do século 21, o êxodo passou a ocorrer principalmente por motivos econômicos. Em seu recente livro Que pasa, Argentina?, a jornalista brasileira Janaína Figueiredo cita pesquisa do sociólogo Fernando Esteban, segundo a qual 118 mil argentinos deixaram o país após a crise de 2001 e não mais voltaram.

Um número mais recente parece confirmar a tendência. Entre setembro de 2020 e outubro de 2021 registrou-se a saída de mais de um milhão de argentinos, segundo dados do site de checagem Chequeado, igualmente citado no livro.

Muitos dos que emigram vão para países como Espanha e Itália, países de onde seus antepassados migraram para a Argentina há um século, também em busca de oportunidades. O passaporte europeu obtido pela herança genética facilitou as coisas.

O homem da motoserra provavelmente não daria a esses jovens, como mágica, melhores condições de vida. E Massa? O atual ministro da Economia, responsável pela inflação que pode em breve alcançar os 200%, precisará renovar seu repertório se alcançar a Presidência.

Não vai ser fácil. Mas, além de editar medidas capazes de conter a alta de preços e estimular a geração de empregos, ele precisará ser capaz de gerar um mínimo de esperança para a Argentina, principalmente entre os jovens.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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