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O rápido aumento de nossa desordem (por Roberto Brant)

Nós somos um país pobre e desigual e, apesar dos recursos que temos, nada indica que estamos em via de transformar esta realidade

atualizado 17/07/2023 3:04

Rafaela Felicciano/Metrópoles

Houve um breve momento na virada do século em que muita gente acreditou que o mundo caminhava para uma grande convergência entre as nações em termos de padrões de vida e de valores culturais. Passados poucos anos, podemos verificar que o que está realmente ocorrendo é o contrário. A grande onda de globalização do século XX foi movida por progressos tecnológicos que aproximavam os países e as pessoas indistintamente em termos de transporte, de comércio e de comunicação. As tecnologias dominantes daqui para o futuro parecem ser do tipo mais excludente, favorecendo os países mais avançados e limitando o caminho dos retardatários e, dentro destes, criando oportunidades para uma minoria, deixando de fora a imensa maioria das pessoas.

O mundo é definitivamente desigual e as desigualdades estão aumentando. Não há mais uma força global impulsionando as economias retardatárias e cada país doravante vai ter que contar apenas com suas próprias forças. Estas forças são a cultura e a política. Elas é que ordenam o ambiente social e econômico para reduzir a incerteza, sem o que não há investimento nem progresso. O risco é uma condição na qual podemos derivar uma “distribuição de probabilidades de resultados” de forma que podemos nos segurar contra eles. Incerteza é uma condição na qual não podemos traçar esta curva de probabilidades. Países bem sucedidos são invariavelmente aqueles em que a cultura e a política conseguem converter a incerteza, se não em certeza, pelo menos em risco num domínio cada vez maior da atividade humana.

Este raciocínio explica bem o drama brasileiro. Nos últimos tempos o sistema político tem oferecido à população um triste cardápio de lideranças, ou envelhecidas ou obtusas, condenadas a operar num ambiente em que o Parlamento e a cúpula do Judiciário funcionam como esferas autônomas, desconectadas entre si e da população.

Nós somos um país pobre e desigual e, apesar dos recursos que temos, nada indica que estamos em via de transformar esta realidade. O desenvolvimento de longa duração depende em todos os países da qualidade das instituições políticas. Nossas instituições há tempos não propiciam segurança diante das incertezas, não distribuem os incentivos corretos e parecem estar em franco processo de degeneração. Entre os inúmeros exemplos de deformação institucional, vou destacar os dois mais recentes.

A Câmara dos Deputados acaba de aprovar uma Emenda Constitucional de reforma tributária, com mais dispositivos do que muitas Constituições inteiras pelo mundo. Apesar de sua extensão e complexidade, a Emenda não foi sequer discutida e foi diretamente para a votação. Muitos parlamentares puderam votar pelo celular, nem sequer estavam presentes no Plenário. Há quem afirme que apenas três parlamentares conheciam o texto até sua aprovação.

Dizem que a reforma vai beneficiar o país, no entanto os fins não justificam os meios, ao menos na ordem democrática. Se uma Constituição pode ser alterada deste modo, não temos mais Constituição, feita para durar e dar segurança à vida social. Na minha opinião, nossa Constituição morreu naquela madrugada. Não há maior incerteza do que esta: um país cuja Constituição pode ser reescrita a qualquer tempo, de qualquer forma.

No campo do Judiciário também há desordem. O Juiz Luiz Roberto Barroso, um dos onze membros do Supremo Tribunal, compareceu a uma manifestação política da UNE e, de mangas de camisa e esquecido da toga, jactou-se com o público, entre outras coisas, de ter derrotado o bolsonarismo. Que um juiz seja um ator político e vença eleições é um absurdo. Que um juiz do Supremo o faça com tanta clareza, chega a ser uma calamidade, ferindo de morte a confiança que a sociedade precisa ter na Justiça, sua última instância para proteger-se da injustiça.

Nada disto terá consequências para os responsáveis, porque as elites do Poder têm um forte pacto de solidariedade. O único consolo que resta é pensar que os brasileiros não merecem os homens que dirigem o seu destino e quem sabe um dia eles despertem para isto.

 

Roberto Brant, ex-ministro da Previdência Social do governo Fernando Henrique Cardoso

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