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O “nosso mais-que-perfeito está desfeito” (Felipe Sampaio)

Na segurança pública

atualizado 02/11/2023 2:01

Carro de Polícia Reprodução

Há mais de 50 anos o pensador norte americano Marshall Berman usou a frase de Marx “Tudo que é sólido desmancha no ar”, para analisar a efemeridade das modelagens sociais e suas estruturas.

E se existe um tema no qual a solução ideal historicamente escapa entre os dedos, esse tema é a segurança pública. O que diferencia essa pasta das outras políticas é a mutabilidade permanente do seu cenário e dos seus fenômenos. Naturalmente, não quer dizer que seja impossível encontrar modelos eficientes para enfrentar os desafios da criminalidade.

Porém, é diferente, por exemplo, do que ocorre na Saúde ou na Educação (onde as necessidades e os propósitos se estabelecem no longo prazo). Na segurança pública, as dinâmicas são tão fluidas e informais que, com frequência, o crime é mais ágil do que o Estado.

Nessa mesma direção, eu pegaria emprestado de Tom e Chico o verso “Nosso mais-que-perfeito está desfeito”, apenas para ilustrar que as políticas de segurança pública mundo afora se organizam das formas mais diversas e temporárias. Não há sistema perfeito, nem eterno, tampouco que sirva para todo lugar.

Um exemplo de ‘mais-que-perfeito’ que foi desfeito é a ideia de um ministério da segurança pública. Vira e mexe, a pauta volta aos debates, mas é preciso reconhecer que não há comprovação de que um ministério específico para a segurança pública seja necessariamente o único formato para a gestão do tema.

Em 2018, sejamos francos, a criação de um ministério exclusivo foi casual, sem negar, é claro, que houve alguns avanços importantes durante seus oito meses de existência (como a Lei do SUSP e o fortalecimento do Fundo Nacional de Segurança Pública).

A verdade é que cada país, a partir das suas circunstâncias, tem seu modelo de segurança pública. Alguns unificam Justiça e Segurança, outros juntam Segurança com Defesa ou Interior, além dos que incorporam terrorismo, polícia financeira, proteção de fronteiras, patrulhamento marítimo, entre outras conformações possíveis. Num extremo, a Colômbia tem uma polícia única, nacional. No outro, os EUA têm umas 15 mil polícias desde as municipais até as federais!

Entre tantos sólidos que se desmancharam no ar da segurança pública, incluem-se iniciativas internacionais ilustres, desde a “tolerância zero” novaiorquina (desmentida por estudos que apontam fatores não policiais para a pacificação da Big Apple) até a polícia desarmada de Londres (repensada diante do terrorismo e da imigração clandestina). No Brasil, as UPP do Rio de Janeiro desmancharam antes mesmo de ficarem sólidas.

No fim das contas, seja com ministério próprio ou não, o importante é que a estrutura de gestão seja projetada e implementada de maneira científica e colaborativa, integrando esforços, atendendo a todos e cuidando dos mais pobres.

O atual ministério brasileiro tem demonstrado esforço nesse sentido e, mesmo abrigando a Justiça, dedica uns 80% da sua atenção à Segurança Pública. Além do mais, ainda é cedo para se apresentar um modelo “mais-que-perfeito”, depois de quatro anos de apagão no tema.

Contudo, é inegável que temas estratégicos assumem lugar de destaque nesse momento, como o crime organizado, o controle das armas de fogo, a segurança com cidadania, os ilícitos ambientais, a proteção dos povos indígenas e a integração dos estatísticos.

 

Felipe Sampaio: chefiou a assessoria dos ministros da Defesa (2016-2017) e da Segurança Pública (2018); foi secretário-executivo de Segurança Urbana do Recife; cofundador do Centro Soberania e Clima; atual diretor do SINESP no ministério da Justiça e Segurança Pública.

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