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Feliz 1984, Ciência (por Fernando Barros)

Urge criar canais diretos de comunicação entre Ciência e cidadania

atualizado 02/01/2024 11:20

Escola Salesiana de Brasília Hugo Barreto/Metrópoles

São fortes os sinais que prometem transformar o ano de 2024 em marco negativo na história do prestígio desfrutado pela Ciência diante da sociedade leiga. Foram muitos os embates entre “Crença” e “Saber”, desde que Roger Bacon (1220-1292), na Universidade de Oxford, derrubou a concepção medieval, ao separar a fé reinante no mundo místico, ou metafísico, da ferramenta do conhecimento baseado na experimentação. A revista norte-americana “Science”, acaba de publicar vigoroso editorial no qual avalia os principais avanços da Ciência na qualidade de vida, em 2023, que vão desde a vacina contra a malária à revolucionária evolução da inteligência artificial. E, joga uma luz sobre o gritante contraste entre as potentes contribuições civilizatórias proporcionadas pelo esforço cientifico e o enfraquecimento crescente da sua capacidade de influenciar comportamentos, políticas públicas e privadas.

A “Science” lista os desafios agendados para 2024. Nos EUA, a eleição presidencial de novembro, “a mais consequencial em mais de 160 anos”. Na Argentina, o Presidente Javier Milei jurou enxugar, ou eliminar, a agência de pesquisa, “a despeito de sua reconhecida relevância internacional”. Outros virão.

O time da “Fé” é mais ágil, efetivo e agressivo que a equipe dos “Fatos”. Hoje, somente 57% dos norte-americanos acreditam que a Ciência tem efeitos positivos sobre a sociedade. Ou, 16 pontos porcentuais a menos que em 2019, quando iniciaram a guerra cultural contra o uso de vacinas da Convid.

Mas, ninguém vai acabar na fogueira como herege. No mundo contemporâneo, a revanche do obscurantismo vem travestida da supressão do oxigênio que mantém vivos os pesquisadores: os recursos para financiamento do seu trabalho. Caso do Brasil, onde o orçamento público para pesquisas decresce ano a ano, há mais de uma década.

Com seus propósitos sequestrados pela política com “p” minúsculo, a Ciência continua sem saber como reagir. Seus organismos de representação não estão preparados para este tipo de luta, onde valem todos os golpes, acima e abaixo da cintura. E a reposta vem lenta, reativa e complexa.

A negação das mudanças climáticas surpreende pela intensidade diante de evidências que gritam diante de todos. Mesmo assim, defender parâmetros científicos ganhou ares de partidarismo, diz o Editorial da Revista, que faz um apelo aos pesquisadores: se atrevam fora da própria bolha.

Urge criar canais diretos entre Ciência e cidadania. Para serem efetivos, estes têm que ir além da informação. Comunicar é, na essência, o produto de um diálogo concluso: sem compreensão por parte do interlocutor e sem seu “feed back”, não há comunicação.

O desconforto só vai aumentar. Os recursos da inteligência artificial anunciam que o processo de descasamento entre o que a sociedade consegue perceber e a realidade está apenas começando.

Repensar a cultura corporativa de instituições de produção do conhecimento, de agências de fomento, de representações dos atores (empresas, produtores rurais, etc…) e de organizações da sociedade civil, não é nada simples.

A urgência da agenda climática é o elemento novo e imperativo. Não agir é aceitar a derrota para o “Big Brother”, de 1984, que nos bons tempos não passava de uma ficção ousada. Não agir insufla o sentido de desorientação num momento histórico da humanidade profundamente desorientador.

 

*Fernando Barros – Jornalista, é Diretor Executivo do Instituto Fórum do Futuro

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