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Espanhóis mantêm neofascistas longe do poder (por Marcos Magalhães)

A redução da participação do partido de extrema-direita Vox no Parlamento foi a melhor notícia que os eleitores espanhóis deram

atualizado 25/07/2023 0:40

Imagem colorida de Alberto Núñez Feijóo, líder da direita espanhola Reprodução

Antes eram 52 cadeiras, agora serão 33. A redução da participação do partido de extrema-direita Vox no Parlamento foi a melhor notícia que os eleitores espanhóis deram no final de semana ao restante da Europa. E, de certa forma, ao mundo inteiro.

Até sábado havia quase uma certeza de que o Partido Popular (PP), de direita tradicional, venceria as eleições e chamaria o Vox, uma agremiação claramente machista e xenófoba, a formar o governo que viria a substituir o atual, liderado pelo socialista Pedro Sánchez.

De fato, o PP obteve nas urnas 136, das 350 cadeiras do Parlamento. Ainda que somadas às conquistadas pelo Vox, porém, não serão suficientes para chegar à maioria absoluta. E dificilmente algum dos pequenos partidos espanhóis se unirá à dupla.

O Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) obteve 122 cadeiras. E poderia atrair para uma nova gestão pequenos partidos de esquerda e partidos regionais.

O resultado não poderia ser mais incerto. A partir de 17 de agosto, quando os deputados tomam posse, caberá ao rei Felipe VI indicar o político a quem caberá formar o novo governo.

O rei poderá dar a missão a Alberto Nuñez Feijóo, líder do partido que obteve mais votos, o PP. Ou ao atual presidente do governo – como se chama na Espanha o primeiro-ministro. Ou, ainda, convocar novas eleições para o final do ano.

O resultado menos provável, porém, será o de formação de um governo minoritário liderado pelo Partido Popular, com participação do Vox.

E por que a redução do número de assentos do Vox seria uma tão boa notícia? Em primeiro lugar, para afastar a possibilidade de a extrema-direita voltar a participar de um governo na Península Ibérica, depois das ditaduras de Franco e Salazar. Em segundo, para evitar que se borrem as fronteiras entre a direita tradicional e os neofascistas do século 21.

Por toda a Europa tem crescido a votação em grupos muitas vezes classificados como integrantes de um movimento populista de direita. Em comum têm uma queda pelo autoritarismo, adesão aos chamados valores tradicionais e ódio aos imigrantes – especialmente os provenientes de países islâmicos.

Sob o guarda-chuva generoso desse populismo de direita estão abrigados muitos fascistas e neonazistas. E existe o risco de que toda essa gente acabe protegida por um guarda-chuva ainda maior, dos partidos da chamada direita tradicional – aquela que defende a moral cristã e o livre mercado, mas respeita a democracia e os direitos humanos.

Juntar essa direita tradicional à extrema-direita do Vox, como se esperava que viesse a ocorrer na Espanha, seria colocar todos em uma mesma embalagem. E hoje, mais do que em qualquer outro momento a partir da Segunda Guerra Mundial, é preciso deixar claro quem respeita os valores mínimos de uma sociedade civilizada e democrática.

Na Alemanha, atualmente governada por social-democratas, verdes e liberais, o fantasma do nazismo insiste em assustar as novas gerações. Ele atende pelo nome de Alternativa para a Alemanha (AfD), um partido de extrema-direita que procura ingressar no mainstream político.

Em algumas administrações regionais, a AfD tem buscado aliar-se aos tradicionais partidos conservadores alemães – a União Democrata-Cristã, conhecida pela sigla CDU, e a União Social-Cristã – a CSU, baseada no estado da Baviera.

Até recentemente havia uma espécie de “cordão sanitário” para isolar a AfD. A expressão foi usada nas últimas eleições pelo líder da CDU, Friedrich Merz, que ameaçou expulsar da agremiação os políticos que quisessem governar em conjunto com os neonazistas da AfD.

O cordão, agora, parece estar se rompendo. No mesmo domingo em que os espanhóis foram às urnas, Merz defendeu em entrevista à emissora pública de televisão ZDF a cooperação em governos municipais com a AfD – que conta hoje com a simpatia de 20% dos alemães, segundo as mais recentes pesquisas.

Segundo a agência de notícias Deutsche Welle, a AfD tem se tornado mais popular com o aumento do sentimento anti-imigração no país, especialmente depois da chegada de mais de um milhão de ucranianos desde a invasão daquele país pela Rússia.

A CDU e a CSU vêm adotando um discurso mais duro contra imigrantes e refugiados, para tentar estancar a sangria de eleitores para a extrema-direita. Mas conseguirão manter as credenciais liberais de seus partidos? Ou se deixarão confundir com a AfD?

No Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro orgulha-se de haver criado o que chama de “direita ideológica” – aquela conservadora nos costumes e liberal na economia. E com as tendências autoritárias que ficaram claras na reta final de seu governo e nos eventos de 8 de janeiro.

Seus potenciais sucessores buscam equilibrar-se entre posturas nitidamente reacionárias – para agradar os bolsonaristas mais convictos – e moderadamente conservadoras, que lhes permitam apresentar-se como representantes de uma direita democrática.

Pelo menos um deles, porém, tem escorregado na retórica. No início de julho, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, publicou nas redes sociais uma frase atribuída ao ex-ditador italiano Benito Mussolini: “Fomos os primeiros a afirmar que, quanto mais complexa se torna a civilização, mais se deve restringir a liberdade do indivíduo”.

Agora voltou às redes com uma frase igualmente controvertida atribuída a James Madison, que presidiu os Estados Unidos de 1809 a 1817: “Democracia é o direito de as pessoas escolherem o próprio tirano”.

O uso da polêmica frase desse que é considerado o pai da Constituição dos Estados Unidos e o recurso anterior a uma citação atribuída a Mussolini cobrem de nuvens o pensamento político do governador do segundo estado mais populoso da federação.

Assim como na Europa, no Brasil será preciso tornar cada vez mais claro quem adere a uma direita (ou centro-direita) civilizada e democrática e quem flerta com o neofascismo.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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