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Às mulheres da minha vida (por Mirian Guaraciaba)

Amanhã, 8 de março, Dia Internacional da Mulher: Aqui, a cada 4 horas, uma mulher sofre violência 

atualizado 07/03/2023 0:37

Pixabay

Em 2022, 495 mulheres foram assassinadas no Brasil. Nem a aprovação da Lei 13104, de 2015, conhecida como Lei do Feminicídio, fez reduzir os casos de homicídios de mulheres em situação de violência doméstica. Ocupamos hoje a vergonhosa quinta posição no mundo em feminicídio – perdendo apenas para Rússia, El Salvador, Colômbia e Guatemala. Aqui se mata 48 vezes mais que na Inglaterra.

Avançamos (pouco) no campo legal – Lei Maria da Penha, em 2006, pioneira, e outras tantas leis em defesa dos direitos da mulher foram aprovadas nos últimos anos, enquanto vemos todos os dias casos de violência se multiplicando. Machismo explícito. A violência está na nossa rotina, e não é apenas física, patrimonial, moral. Não faz um ano  – setembro de 2022 – o parlamento permitiu à mulher, aos 21 anos, fazer laqueadura por sua única, livre e expontânea vontade, sem autorização de Zé ninguém.  Não faz muito tempo, grandes bancos exigiam assinatura do pai ou do marido para uma mulher abrir uma conta bancária.

Avançamos aqui, retrocedemos ali.

A mais nova ameaça vem de um ultraje chamado “machosfera” – grupos extremistas que pregam o ódio contra as mulheres. Defendem a supremacia masculina e a submissão feminina. A agência de checagem Aos Fatos mostrou que cerca de 80 canais do YouTube divulgam vídeos desse naipe. E, acredite, em 2023, 35 canais são monetizados para espalhar patifaria pela internet. Outros 36 vendem cursos e livros sobre essa imundície. Lembra Aos Fatos: é normal encontrar termos chocantes como “depósito de porra” para se referir as mulheres.

Contra eles, sua imundície – e ilegalidades – a polícia promete agir. Já há casos em andamento.  No Congresso, tramitam dois projetos que transformam misoginia em crime, análogo ao racismo. Um avanço, se prisões se confirmarem e os canalhas se calarem. A existência do que se chama “machosfera” é uma afronta. Eles acreditam que são vítimas do sistema. Rir pra não chorar.

Diante de quadro tão asqueroso, lembro ter nascido numa família avançada em relação aos direitos femininos, livre de preconceitos, quaisquer que fossem. Minha mãe Amélia fez faculdade, trabalhou desde cedo. Nos anos 30, 40, século passado, minha mãe compartilhava as despesas da casa, nunca esteve sozinha na educação dos pequenos, dirigia automóveis por toda São Paulo. Meu pai Vitório era um defensor nato dos direitos das mulheres. No seu núcleo, as mulheres podiam ser, fazer e estar onde quisessem.

Fui a “raspa do tacho” de uma família grande. Minha mãe teve muitos filhos, ficou viúva aos 47 anos, nunca mais quis se casar. Trabalhou duro. Nos anos 60, acostumada a um ambiente de respeito, sentiu a dor do preconceito contra as mulheres jovens e sozinhas, sem homem. Nunca se rendeu. Cresci com essa mulher forte, corajosa. E com outras mulheres destemidas – que se multiplicaram ao meu redor.

Decidi meu destino. Sofri na pele o machismo quando fui demitida de um grande jornal por estar grávida “de novo”. Não me rendi. Em dois dias, estava em outro grande jornal. Construí uma carreira da qual me orgulho, e foi nela que vivenciei – e contei misérias, tristezas, fome e abandono. Reportagens sobre discriminação e violência sofridas por mulheres de todos os níveis de escolaridade e financeiros.

Décadas depois, novo século, governos vieram e foram, e voltamos ao mesmo ponto. As manchetes de hoje e amanhã continuam a lamentar: “A cada quatro horas, uma mulher é vítima de violência doméstica no Brasil”.

 

Mirian Guaraciaba é jornalista 

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