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Apoiar Israel deixou de ser possível (Por Carmo Afonso)

Eu não acredito que a maioria dos portugueses confunda este massacre com o exercício de um direito de defesa de Israel

atualizado 01/11/2023 5:22

O genocídio do povo palestiniano prossegue. O Estado de Israel já matou mais de oito mil civis e cerca de metade são crianças. A violência daquilo a que estamos a presenciar é inédita. A violação do direito internacional é flagrante. As imagens que nos chegam são absolutamente devastadoras.

Enquanto isso, ainda se ouve o coro daqueles que advogam o direito de Israel a defender-se, ignorando que os limites desse direito legítimo à defesa já foram ultrapassados. Esse mesmo coro faz recomendações a Israel para que respeite o princípio da proporcionalidade e a vida dos civis, ignorando que o momento em que essa recomendação poderia ser feita já passou. E, claro, é um coro que ficou cristalizado no sofrimento das vítimas dos ataques do Hamas e que não valoriza tanto o sofrimento dos palestinianos, ignorando que ele é atual e que resulta de uma agressão ainda maior e feita por um Estado. Vão neste sentido as vozes de grande parte dos comentadores e dirigentes políticos. Entre nós, também é assim.

Mas alguma coisa aqui bate certo. Eu não acredito que a maioria dos portugueses confunda este massacre com o exercício de um direito de defesa e sobretudo não acredito que essa maioria se reveja no apoio à atuação de Israel. Simplesmente, não acredito.

Nunca a falta de coerência das lideranças ocidentais esteve tão à vista. Desta vez, só não vê quem não quer. Israel incumpre resoluções das Nações Unidas há décadas. Ocupa terras que não lhe pertencem e oprime o povo palestiniano, mantendo-o a viver em condições miseráveis e negando-lhe a possibilidade de serem cidadãos de pleno direito. É absolutamente vergonhoso como a situação se manteve ao longo de décadas com a tolerância da comunidade internacional. É verdade que nada disso justifica os ataques de 7 de outubro e ainda bem que todos concordamos nisso. Mas teremos igualmente de concordar que esses ataques não justificam, nem legitimam, o massacre do povo palestiniano que lhes sucedeu.

Se nem admitimos adversativas nas condenações aos ataques do Hamas, como não condenar o genocídio que Israel está a cometer? O princípio ético que nos leva à primeira condenação, tem de levar-nos à segunda. Matar civis não é legítimo e isto tem de valer para os dois lados.

Penosas são as considerações de quem diferencia a morte de civis israelitas às mãos do Hamas das mortes de civis palestinianos às mãos do exército de Israel. Dizem essas pessoas que, no segundo caso, estamos perante danos colaterais. Que o objetivo de Israel não é matar civis, mas, sim, atingir os terroristas do Hamas e as suas estruturas. Eu não chamaria dano colateral à morte de quase quatro mil crianças. E nem posso aceitar que alguém o faça. Não é sério e não é decente.

Ao apoiarem um país que está a cometer um genocídio, as democracias do ocidente põem em causa o seu próprio posicionamento em toda a linha. Aos olhos do mundo não ocidental, perdem a legitimidade que poderiam ter para afirmar os seus valores democráticos. Lembrem-se que esses valores já foram usados para justificar toda a espécie de intromissões na governação de outros países, como se tivéssemos algo de muito melhor para propor. Na verdade, para impor.

Esta semana ouvi Hillary Clinton afirmar ser completamente contra o cessar-fogo. Disse-o publicamente. Sobram-me as palavras para exprimir repúdio por tais declarações. Esta mulher, que tantas simpatias cativou à esquerda, revela ser a concretização da crueldade. Ninguém com o coração no sítio poderia concordar com a continuação desta matança. Há um momento em que as nossas opiniões deixam de ser sobre política ou ideologia e passam a ser sobre a humanidade. Esse momento chegou. Se as lideranças ocidentais não se afastarem do carril mortífero onde Hillary Clinton desliza, perderão apoio junto dos seus próprios cidadãos. Ninguém estava preparado para tanto sangue e serão muitos os que não querem ficar com ele nas mãos.

(Transcrito do PÚBLICO)

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