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A volta à idade média pelas mãos da igreja em Goiás (por Azelma Rodrigues)

O último dia da Feira do Troca

atualizado 30/11/2023 5:01

Igreja em Goiás Reprodução

Com a benção do bispo diocesano de Anápolis (GO), Dom João Wilk, no domingo 4 de junho deste ano, o padre Cleyton Francisco Garcia, 45 anos, paranaense, fez no sermão na igreja de Alexânia uma advertência: era o último dia da Feira do Troca no gramado da Paróquia Santo Antonio, em Olhos Dágua de Goiás. Alegação principal? A festa-simbolo do distrito, criada há quase 50 anos, era mais profana do que a realizada sob sua batuta na cidade.

O Troca é o cartão de visitas do povoado situado a 100 km de Brasília e a 200 km de Goiânia, com menos de mil habitantes na semana, que dobram com a afluência de brasilienses no descanso do fim de semana. E atrai umas cinco mil pessoas a cada início de junho e dezembro.

A diocese Anapolina soltou nota corroborando o padre. A comunidade ficou em polvorosa. Seria o terceiro ato da igreja para tirar o povo da praça, já que a feirinha de verduras teve que sair e o antigo coreto foi derrubado no início do ano. O padre alega que a praça de Olhos D´água não é do povo mas, sim, da paróquia, porque a igreja é proprietária do terreno – assim como de metade do vilarejo doado pelo fazendeiro Geminiano Queiróz, na década de 1940, quando o local era paragem de tropeiros de sal.

Muita gente achou que o vaticínio não se concretizaria porque, afinal, a Feira do Troca foi uma invenção da antropóloga e professora da Unb Laís Aderne, em 1974, ao propor que colegas de Brasília levassem roupas, calçados, utensílios e ferramentas ao povoado desprovido até da circulação de dinheiro. Os objetos urbanos passaram a ser trocados pelo farto artesanato local.

Quase uma centena de artesãos locais e de arredores, sempre encheu o gramado da praça com peças de barro, bonecas de pano, colchas de tear, plantas, galinhas e outros bichos vivos, duas vezes ao ano. O escambo de antigamente deu lugar à venda em dinheiro, cartão e pix, naturalmente. A 97ª. Feira acontecerá dias 2 e 3 de dezembro próximo – mas, expulsa da praça, será no meio da rua mesmo.

Em protesto, muitos moradores prometem vestir preto, em luto. Outra metade, fiéis à igreja, claro, apoiam o padre.

O prefeito de Alexânia, Alysson Silva Lima (PP) prometeu intermediar para a comunidade, mas não deu nem satisfação! A última do padre, com autorização da Secretaria do Meio Ambiente do prefeito, foi arrancar árvores decenárias da praça – sob alegação de que no local será construída uma calçada de cimento para acesso à igreja. Pessoas protestaram porque a árvore não tinha a raiz apodrecida, mas apoiadores do padre chamaram a policia.

Em tempo: antes do padre Cleyton, a festa de Alexânia recebia inúmeras barraquinhas e umas 30 mil pessoas. Agora, barracas são proibidas e menos de mil passam por lá.

 

(Azelma Rodrigues-jornalista)

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