Javier Milei ou Sergio Massa: quem o mercado acha melhor para o Brasil

Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, atrás de China e Estados Unidos. Economia esteve no centro do debate eleitoral

atualizado 19/11/2023 13:06

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Imagem de uma bandeira da Argentina, em meio a várias luzes e com um fundo escuro - Metrópoles Getty Images

Mais de 35 milhões de eleitores argentinos vão às urnas neste domingo (19/11) para decidir o futuro do país pelos próximos quatro anos. Historicamente, a economia sempre foi um fator determinante nas eleições presidenciais da Argentina, mas poucas vezes ganhou tanta importância quanto no pleito de 2023, em que foi catapultada para o centro do debate político.

O peso da economia sobre a sucessão do presidente Alberto Fernández é tão grande que um dos candidatos que chegaram ao segundo turno é o ministro responsável pelas finanças do país, Sergio Massa; o outro é um economista, Javier Milei, oposicionista com uma plataforma ultraliberal.

Com o país mergulhado em uma das piores crises econômicas em décadas, com inflação recorde, elevados índices de pobreza, reservas de dólares em níveis baixíssimos e uma série de pedidos de socorro ao Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia ditou o rumo da corrida pela Casa Rosada. Em outubro, segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec), a inflação anual na Argentina chegou a 142,7%, o maior patamar em mais de três décadas, desde 1991.

Principal instrumento dos bancos centrais para combater a inflação, a taxa de juros subiu de 118% para 133% em outubro, uma alta de 15 pontos percentuais – o que contribui para esfriar a já combalida economia argentina. Dados do Indec referentes a setembro mostram que quatro de cada 10 argentinos viviam em situação de pobreza. De acordo com números do Banco Central da Argentina, as reservas de dólares do país recuaram para cerca de US$ 21 bilhões, o menor nível em 17 anos.

Na quarta-feira (15/11), a quatro dias do segundo turno, o governo argentino descongelou o câmbio, elevando a cotação oficial do dólar de 350 pesos para 353,05 pesos. A alteração já era esperada e faz parte do plano anunciado pelo Ministério da Economia de retomar um regime cambial por meio do qual a divisa flutua, gradativamente, ao longo do tempo, dentro de certos limites e sem movimentos bruscos. O objetivo é evitar uma desvalorização muito forte e abrupta do peso, com a disparada da moeda americana. Na Argentina, o dólar estava congelado desde 14 de agosto.

Mercado se divide entre cautela e preocupação

Economistas e agentes do mercado consultados pelo Metrópoles destacam a importância da eleição na Argentina para o Brasil. O país é o terceiro maior parceiro comercial brasileiro, atrás apenas de China e Estados Unidos. Em 2022, o Brasil teve um saldo positivo de US$ 2,2 bilhões na balança comercial com os argentinos.

Com a disputa entre o ministro da Economia de um governo que só agravou a delicada situação econômica do país e um oponente que diz pretender dolarizar a economia argentina e acabar com o Banco Central, o mercado acompanha a eleição com muita cautela e uma boa dose de apreensão. “Incerteza” foi a palavra comum mais repetida pelos especialistas entrevistados para esta reportagem.

“No fim das contas, o mercado está preocupado com os dois cenários. A vitória de Massa, em tese, significa a continuidade de uma política econômica que vem se deteriorando consistentemente. Para o mercado, seria um cenário ruim porque a crise argentina representa uma enorme perda no poder de compra do país, especialmente para as exportações brasileiras. Isso tem prejudicado bastante o comércio com o Brasil, que tende a se manter ruim”, afirma Leonardo Paz, pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV NPII).

“Já a preocupação em relação ao Milei é muito fruto da incerteza. Boa parte das políticas que ele diz que pretende implementar são difíceis de ser viabilizadas, como a dolarização da Argentina ou a ideia de acabar com o Banco Central. A probabilidade de Milei conseguir fazer o que pretende é baixa, até pela incapacidade que ele terá de aprovar essas leis no Congresso”, prossegue Paz.

“Um cenário é a certeza da piora, com Massa. O outro, com Milei, é a completa incerteza sobre para onde vai a economia”, resume o pesquisador da FGV.

Para Hugo Queiroz, especialista em investimentos e diretor de Corporate Advisory da L4 Capital, Milei parece melhor para o Brasil sob o ponto de vista estritamente econômico, enquanto a vitória de Massa seria uma notícia mais alvissareira para as relações políticas e comerciais.

“Em termos de dinamismo econômico e reflexos sobre o crescimento, Milei é melhor para o Brasil. Há algumas discussões sobre as relações entre os países por causa de recentes posicionamentos dele. Porém, as medidas que ele pretende adotar na economia argentina são liberais, atraem investimento e podem acelerar o crescimento”, afirma.

“Agora, não há dúvidas de que, olhando para a continuidade e até uma evolução na relação entre os dois países, com o Massa é mais tranquilo”, pondera Queiroz. “No frigir dos ovos, ambos acabariam sendo positivos. A Argentina chegou a um patamar de desorganização econômica tão grande que não há como quem for eleito não tomar medidas pró-mercado. Quem vencer terá de praticar arrocho fiscal e medidas de controle da inflação, o que é positivo neste momento.”

Paulo Ferracioli, professor de Políticas de Comércio Exterior e de Economia no FGV Management, que está na Argentina acompanhando de perto os últimos acontecimentos pré-eleitorais, contesta o senso comum de que uma eventual eleição de Massa traria mais facilidades ao Brasil nas negociações comerciais.

“Que ninguém imagine que, caso Massa seja eleito, vai ser mais fácil para o Brasil negociar com a Argentina. Não, ele vai defender os interesses argentinos, assim como o Lula defende os interesses brasileiros. É assim nas relações entre todos os países”, diz. “Talvez algumas negociações sejam menos complexas com Massa presidente, mas não imaginemos que elas serão facilitadas. Os países não têm amizade entre si, têm interesses.”

Segundo Ferracioli, “o que mais assusta os mercados, e isso vale para os dois lados, é a incerteza”. “Como Milei conseguirá abrir totalmente a economia argentina? Como seria a dolarização em um país com essa escassez de câmbio? Vai ser muito difícil”, observa.

“Pelo lado do Massa, em tese, ele até parece ter propostas um pouco mais sensatas sob o ponto de vista da economia. Mas fala na necessidade de provocar uma desvalorização cambial nos próximos 90 dias, algo que já começou a ocorrer na semana passada. E aí? Desvalorizar o câmbio vai resolver o problema argentino? Como isso vai ser feito? Qual é o projeto?”, indaga o professor da FGV. “Neste momento, nenhum dos dois candidatos, talvez por uma questão eleitoral, está explicitando, em detalhes, o que e como vai fazer.”

Dolarização e fim do BC são bravatas

De acordo com os analistas ouvidos pelo Metrópoles, uma hipotética vitória de Javier Milei neste domingo não representaria uma grande ameaça ao futuro das relações comerciais entre Brasil e Argentina, como vem sendo apregoado pelos partidários de Sergio Massa na reta final da campanha.

“Por mais que Milei não queira conversar com Lula, a relação comercial se dá pelos entes privados. Não é o governo que vai comprar soja, carro ou seja lá o que for do Brasil. O próprio Milei, no último debate antes do segundo turno, já ensaiou um recuo nesse aspecto”, afirma Leonardo Paz, da FGV.

“O Brasil já teve a experiência de um presidente, como Jair Bolsonaro, que não queria conversar com o Alberto Fernández. As relações entre os países não se aprofundaram, não conseguimos avançar muito em uma agenda comum, mas as relações comerciais se mantiveram”, ressalta Paz.

Em relação à promessa de Milei de dolarizar a economia argentina – que, como o Metrópoles mostrou, esbarra em um detalhe fundamental: a falta de dólares no país –, Paz avalia que se trata de uma “não-discussão”. “O próprio Milei nunca disse como fará isso. A ideia dele é substituir o peso por dólar, como acontece hoje no Equador. Lá não há uma outra moeda, você usa o dólar para comprar qualquer coisa, de bala a carro. Os preços são tabelados em dólar nas lojas. Só que a Argentina é uma economia grande e o principal problema do país nos últimos anos é justamente a falta de dólar. Como um país que está desesperado, tentando captar dólar há pelo menos uma década, vai conseguir dolarizar toda a economia?”, questiona.

Hugo Queiroz, da L4 Capital, também descarta a dolarização – e não só ela, mas também a suposta extinção do Banco Central, defendida por Milei. “É pouco provável que a Argentina dolarize a economia. O país perderia completamente a sua atuação em política monetária, que é importante para manter a economia protegida nos diversos ciclos. A partir do momento em que você dolariza, acaba perdendo esses pilares”, afirma. “E acabar com o Banco Central é mais uma retórica política direcionada ao eleitorado do Milei. Não tem o menor sentido um país sem Banco Central. Não vai acontecer.”

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