“Nem senti”, diz paciente de tratamento que “congela” câncer de mama

Crioablação resfria tumor a -140°C e é indicada para casos de câncer de mama nos quais os nódulos são pequenos

atualizado 30/06/2023 11:55

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Mulher sem blusa segurando símbolo que representa luta contra o câncer de mama - Metrópoles SCIENCE PHOTO LIBRARY/Getty Images

A psicóloga Cristina Frias Reina, 62 anos, descobriu um nódulo no seio durante exames de rotina na Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima de sua casa, na Vila Prudente (zona leste de SP), em março de 2021. O diagnóstico foi seguido de uma proposta para participar de um estudo que está testando um novo tipo de tratamento contra o câncer de mama. Seis meses depois, veio uma notícia boa: ela estava livre do câncer por conta do procedimento que consiste em “matar de frio” o tumor.

“Quando eu conto para as pessoas que fiz um tratamento que congela o câncer, penso, ‘nossa, como que não senti nada?’ Não tem frio, não tem calor: só fiquei com a região mais endurecida. É interessante quando os médicos explicam que congela e esquenta [o nódulo], porque você realmente não sente nada”, conta a psicóloga, que fez todo o tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

A crioablação para câncer de mama consiste em introduzir uma agulha no interior do tumor e submetê-lo a uma temperatura muito baixa – entre -140°C a -160°C – para congelar as células tumorais. A agulha utilizada é aquecida, depois de resfriada. Estes ciclos de frio e calor permitem que a temperatura esfrie o suficiente na região do tumor, mas sem lesar o tecido mamário que fica em torno da agulha, já que o congelamento se dá apenas na sua extremidade.

O procedimento inovador está sendo realizado no Brasil desde 2021, quando teve início uma pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein em parceria com o Hospital São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Desde o final do ano passado, a pesquisa inclui também o hospital HCor (Hospital do Coração).

“É usada uma agulha de calibre pequeno que desprende de seu interior um gás de argônio ou nitrogênio. Essa agulha é colocada dentro do nódulo e são feitos vários ciclos até se obter o total congelamento do tumor”, explica Silvio Bromberg, mastologista do Albert Einstein e coordenador do estudo.

De acordo com o médico, uma das vantagens deste tratamento é poder controlar, em tempo real, o alcance do processo de resfriamento e aquecimento. “A gente enxerga, por ultrassom, a agulha penetrando e congelando o tecido. Vai se formando uma bola de gelo, e é como se você colocasse um palito de picolé. Você consegue controlar o quanto essa espécie de ‘bola de gelo’ deve crescer”, conta o médico.

Os primeiros resultados do estudo, publicados em março deste ano, sugerem que o tratamento em testes no país pode ter alta eficácia no combate a tumores pequenos e com pouca chance de recorrência.

Pesquisas similares realizadas nos Estados Unidos e no Japão também já mostraram bons resultados. Alguns experimentos ainda em andamento sugerem que pode não ser necessária a cirurgia para retirar o nódulo depois da crioablação já que, com as células tumorais inativas, o câncer não se espalha mais.

No caso da psicóloga, a cirurgia foi necessária porque, no estudo em curso no Brasil, todas as pacientes têm os tumores retirados e analisados para medir a eficácia do procedimento. Além disso, elas passam por exames de ressonância magnética para checar se o tratamento retirou todo o tecido afetado. Felizmente, o resultado da análise da paciente foi positivo.

“Quando veio o resultado dos meus exames, eles me informaram que houve 100% de eficácia, ou seja, que não tinha restado nada do câncer mesmo. E isso foi ótimo porque depois da cirurgia de retirada do tumor eu fiz só radioterapia, não precisei fazer quimioterapia. Foi um grande alívio”, conta.

Estudo inédito

A ideia por trás do uso da crioablação para câncer de mama não é nova. Isto porque os pesquisadores já sabem que o frio tem capacidade de matar células, provocar microtrombos na vascularização do nódulo e congelar os vasos intratumorais, o que faz com que a área fique sem irrigação.

Diante desses efeitos já conhecidos, os médicos passaram a explorar a possibilidade de usar o congelamento para provocar a morte do tecido tumoral, especialmente para nódulos pequenos. Ainda não se sabe como esta técnica pode evoluir nos próximos anos, mas estudos em andamento no exterior já sugerem que a recorrência da doença, após o tratamento, é baixa.

Apesar de já estar em uso em outros países, a crioablação para câncer de mama ainda é novidade no Brasil: o estudo que envolve os hospitais Israelita Albert Einstein, São Paulo e Hcor é o primeiro do tipo no país.

Os mastologistas Bromberg, do Albert Einstein e Afonso Celso Pinto Nazário, da Unifesp e HCor, coordenam a pesquisa ao lado da mastologista Vanessa Sanvido, da Unifesp, contam que o projeto teve início pouco antes da pandemia de Covid-19, e houve uma dificuldade inicial na seleção de pacientes.

“A gente estava vendo um número muito pequeno de novos diagnósticos, e os casos que apareciam eram muito avançados. Tínhamos poucos [casos] iniciais, que é o que a gente pode tratar com este método no momento. Daí surgiu a ideia de incluir mais um hospital, o Hcor, que a gente acha que vai contribuir para chegar ao total de participantes mais cedo”, explica Bromberg.

Até agora, 14 pacientes já foram submetidas ao procedimento, em um estudo que deve incluir 30 voluntárias. Para evitar que o congelamento afete a pele, os tumores que podem ser submetidos a este tratamento, segundo o protocolo de pesquisa atual, devem ter até 2,5 centímetros de diâmetro e precisam ter sido diagnosticados como nódulos malignos de baixa agressividade.

As pacientes que se enquadram nesses critérios fazem, em um mesmo dia, mamografia, ultrassom, ressonância magnética e o procedimento de crioablação, todos realizados no Hospital Israelita Albert Einstein. Depois, os mesmos exames são repetidos e, finalmente, a cirurgia para retirada do nódulo é agendada no Hospital São Paulo ou Hcor, onde também ocorrem os diagnósticos iniciais.

 

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Câncer de mama é uma doença caracterizada pela multiplicação desordenada de células da mama causando tumor. Apesar de acometer, principalmente, mulheres, a enfermidade também pode ser diagnosticada em homens

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Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), há vários tipos de câncer de mama. Alguns têm desenvolvimento rápido, enquanto outros crescem lentamente. A maioria dos casos, quando tratados cedo, apresentam bom prognóstico

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Não há uma causa específica para a doença. Contudo, fatores ambientais, genéticos, hormonais e comportamentais podem aumentar o risco de desenvolvimento da enfermidade. Além disso, o risco aumenta com a idade, sendo comum em pessoas com mais de 50 anos

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Apesar de haver chances reais de cura se diagnosticado precocemente, o câncer de mama é desafiador. Muitas vezes, leva a força, os cabelos, os seios, a autoestima e, em alguns casos, a vida. Segundo o Inca, a enfermidade é responsável pelo maior número de óbitos por câncer na população feminina brasileira

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Os principais sinais da doença são o aparecimento de caroços ou nódulos endurecidos e geralmente indolores. Além desses, alteração na característica da pele ou do bico dos seios, saída espontânea de líquido de um dos mamilos, nódulos no pescoço ou na região das axilas e pele da mama vermelha ou parecida com casca de laranja são outros sintomas

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O famoso autoexame é extremamente importante na identificação precoce da doença. No entanto, para fazê-lo corretamente é importante realizar a avaliação em três momentos diferentes: em frente ao espelho, em pé e deitada

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Faça o autoexame. Em frente ao espelho, tire toda a roupa e observe os seios com os braços caídos. Em seguida, levante os braços e verifique as mamas. Por fim, coloque as mãos apoiadas na bacia, fazendo pressão para observar se existe alguma alteração na superfície dos seios

Metrópoles
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A palpação de pé deve ser feita durante o banho com o corpo molhado e as mãos ensaboadas. Para isso, levante o braço esquerdo, colocando a mão atrás da cabeça. Em seguida, apalpe cuidadosamente a mama esquerda com a mão direita. Repita os passos no seio direito

Metrópoles
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A palpação deve ser feita com os dedos da mão juntos e esticados, em movimentos circulares em toda a mama e de cima para baixo. Depois da palpação, deve-se também pressionar os mamilos suavemente para observar se existe a saída de qualquer líquido

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Por fim, deitada, coloque a mão esquerda na nuca. Em seguida, com a mão direita, apalpe o seio esquerdo verificando toda a região. Esses passos devem ser repetidos no seio direito para terminar a avaliação das duas mamas

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Mulheres após os 20 anos que tenham casos de câncer na família ou com mais de 40 anos sem casos de câncer na família devem realizar o autoexame da mama para prevenir e diagnosticar precocemente a doença

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O autoexame também pode ser feito por homens, que apesar da atipicidade, podem sofrer com esse tipo de câncer, apresentando sintomas semelhantes

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De acordo com especialistas, diante da suspeita da doença, é importante procurar um médico para dar início a exames oficiais, como a mamografia e análises laboratoriais, capazes de apontar a presença da enfermidade

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É importante saber que a presença de pequenos nódulos na mama não indica, necessariamente, que um câncer está se desenvolvendo. No entanto, se esse nódulo for aumentando ao longo do tempo ou se causar outros sintomas, pode indicar malignidade e, por isso, deve ser investigado por um médico

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O tratamento do câncer de mama dependerá da extensão da doença e das características do tumor. Contudo, pode incluir cirurgia, radioterapia, quimioterapia, hormonioterapia e terapia biológica

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Os resultados, porém, são melhores quando a doença é diagnosticada no início. No caso de ter se espalhado para outros órgãos (metástases), o tratamento buscará prolongar a sobrevida e melhorar a qualidade de vida do paciente

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Voluntárias são indicadas pelos médicos

Não é possível se candidatar ao estudo, pois todas as participantes são indicadas pelos próprios médicos, que verificam se os casos atendem aos requisitos do protocolo. Foi o caso da psicóloga, que recebeu a proposta quando estava dando início ao seu tratamento pelo SUS.

“Logo após o meu diagnóstico, quando os médicos do Hospital São Paulo viram o tamanho do meu nódulo, um olhou para o outro e logo falaram que era o tamanho certo para a pesquisa. Aí me contaram o que era crioablação, porque nunca tinha ouvido falar nesse método para câncer de mama”, lembra.

“Não tive dúvida, logo de cara quis participar. Muita gente tem medo, mas eles me passaram muita tranquilidade, e foram muito claros na hora de explicar o estudo”, afirma a paciente.

Segundo Bromberg, além da psicóloga paulistana, outras sete pacientes, das 14 que fizeram a crioablação, já tiveram os resultados analisados. “A gente já fez 14 casos, e temos a análise de oito deles. A taxa de ablação completa foi de 88%, ou seja, em 88% dos casos o câncer foi inteiramente destruído. Quando consideramos a erradicação somente da doença na forma invasiva, que é a mais agressiva, nossa taxa de sucesso foi de 100%”, afirma o coordenador da pesquisa.

“A análise da ressonância magnética é importante porque precisamos ter certeza, através do exame, que o tumor desapareceu. Até agora vimos que a ressonância acertou sobre o desaparecimento do tumor na forma invasiva em 100% dos casos, o que é muito promissor, completa Bromberg.

Os resultados positivos animam os pesquisadores e os pacientes e seus familiares, que se impressionam com a rapidez do tratamento.

“Meus irmãos me acompanharam durante todo o processo, e todo mundo ficou chocado com o atendimento. Eu sou a única da família que não tem convênio, eu confio bastante no SUS, e esse meu lado otimista me diz sempre que vai dar tudo certo. E, na hora que eu mais precisei, deu tudo certo mesmo”, comemora a paciente. (Fonte: Agência Einstein)

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