Durante as gravações da série “Olhar Indiscreto”, bastava um olhar que expressasse qualquer desconforto de uma das atrizes que a norte-americana Barbara Harrington, coordenadora de cenas íntimas, intervia: “corta!” E chegava com uma toalha para vestir a atriz.
“Quero ter certeza que estamos realizando a cena que a diretora quer, que os atores querem, mas que ninguém está sendo explorado emocionalmente, psicologicamente ou fisicamente”, explica Barbara, em entrevista exclusiva ao Metrópoles.
Esta é a primeira vez que uma profissional de cenas de íntimas trabalha em uma produção brasileira da Netflix. Barbara é atriz e trabalha há 30 anos como roteirista e preparadora de elenco.
Em 2021, fez um curso, certificado pela SafeSets, para preparar elenco e produção para gravações de cenas íntimas. Nele, aprendeu como decupar roteiros para detalhar o conteúdo íntimo, avaliar riscos e criar um plano para o conteúdo de intimidade do projeto.
Com escândalos de abusos sexuais cometidos em estúdios de cinema sendo a cada dia mais denunciados, Barbara acredita que o espaço para profissionais com essa formação tem muito espaço para crescer. Pois ajudam a tornar os sets um ambiente cada vez mais seguro.
“Essa coordenação é uma parte importante pois facilita as conversas difíceis entre diretores, atores, figurinos e produção”, afirma.
Leia os principais trechos da entrevista.
Você poderia explicar o que faz uma coordenadora de cenas íntimas?
Uma coordenadora de cenas íntimas para cinema e televisão trabalha com toda a produção, auxiliando na facilitação de cenas que tenham conteúdo íntimo ou nudez. Ela se reúne com a equipe de produção e os chefes de departamento, dando briefings, compartilhando conhecimento e apresentando as várias diretrizes do setor, e está no set quando tem uma cena íntima. Ela também pode realizar um workshop com os atores e o diretor, ou acompanhar o set ou ensaios de cenas específicas que podem causar preocupação.
Qual é a maior dificuldade de uma coordenadora de cenas íntimas no set de filmagem?
É ganhar a confiança dos profissionais que não acreditam na necessidade de ter uma coordenadora de cenas íntimas. Ou um ator ou diretor que acha que qualquer preparação vá comprometer a verossimilhança ou a qualidade de uma cena. Uma vez que a equipe entenda que estamos no set para resolver problemas e não criá-los, acho que esses preconceitos vão sumir.
O seu trabalho é mais com a direção ou com o elenco?
Os coordenadores são treinados para serem flexíveis e ajudar a produção de acordo com os requisitos de cada uma. Estamos lá para garantir que as vozes dos atores sejam ouvidas e respeitadas – que a marcação das cenas siga os parâmetros estabelecidos, respeitando os limites de cada ator e mantendo-se fiel à visão da direção e roteiro. Não faço nada sem falar com os diretores. Pergunto o que eles querem e depois apresento essa visão para o elenco. Se um ator não se sente confortável fazendo uma ação ou um movimento, a gente busca soluções que vão deixar o ator à vontade em cena.
As atrizes disseram que bastava um olhar para você cortar a cena e dizer que já tinha gravado o suficiente. No que você presta atenção quando se está filmando?
Presto muita atenção no bem-estar do ator, na verossimilhança dos movimentos, da respiração, da história que essa cena íntima está contando. Quero ter certeza que estamos realizando a cena que a diretora quer, que os atores querem, mas que ninguém está sendo explorado emocionalmente, psicologicamente ou fisicamente. Atores e atrizes estão treinados a nunca dizer não, mas é fundamental para o nosso trabalho que aprendam a estabelecer limites.
Você é a primeira a trabalhar em uma produção da Netflix no Brasil. Como você vê o mercado para esse profissional?
Enquanto o mercado audiovisual continua a crescer, o mercado para essa profissão vai crescer junto. Mas é imprescindível que tanto os produtores quanto os atores entendam a importância da contratação de uma coordenadora de cenas íntimas para qualquer cena do tipo.
Assista ao trailer de “Olhar indiscreto”:
