De comboio a zigue-zague: como moradores driblam fluxo da Cracolândia

Encomendas na casa de parentes e comboio para trabalho são estratégias de moradores para sobreviver na Cracolândia

atualizado 22/08/2023 12:17

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Imagem mostra pessoas aglomeradas em rua degradada da Cracolândia - Metrópoles William Cardoso/Metrópoles

São Paulo — Moradores de um prédio na Rua dos Gusmões, na região central de São Paulo, foram obrigados a criar estratégias para sobreviver ao caos provocado pelo fluxo de usuários de drogas da Cracolândia. Mesmo assim, muitos já pensam em ir embora de vez.

Construída por meio de uma parceria público-privada, a torre única do Residencial Gusmões, com 96 apartamentos e cerca de 300 moradores, foi mais uma iniciativa do governo estadual e Prefeitura para revitalizar o centro que acabou em meio à concentração de dependentes químicos.

No domingo (20/8), o Metrópoles mostrou que outro condomínio, o Complexo Mauá, ficou sitiado pela Cracolândia.

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Dependentes caminham pela Rua dos Protestantes, durante operação de limpeza na região da Cracolândia, em São Paulo
Homem empurra carrinho de mercado em frente ao Complexo Mauá, na Cracolândia, em São Paulo
GCM participa de operação de limpeza da Rua dos Protestantes na Cracolândia
Vista da Estação da Luz a partir do topo de um dos dois prédios do Complexo Mauá
GCM participa de operação de limpeza da Rua dos Protestantes na Cracolândia
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Vista do fluxo da Cracolândia na Rua dos Protestantes, a partir do topo de um dos dois prédios do Complexo Mauá

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Dependentes caminham pela Rua dos Protestantes, durante operação de limpeza na região da Cracolândia, em São Paulo

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Homem empurra carrinho de mercado em frente ao Complexo Mauá, na Cracolândia, em São Paulo

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GCM participa de operação de limpeza da Rua dos Protestantes na Cracolândia

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Vista da Estação da Luz a partir do topo de um dos dois prédios do Complexo Mauá

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Vista da região central de São Paulo a partir do topo de um dos dois prédios do Complexo Mauá

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GCM participa de operação de limpeza da Rua dos Protestantes na Cracolândia

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GCM participa de operação de limpeza da Rua dos Protestantes na Cracolândia

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Vista do fluxo da Cracolândia na Rua dos Protestantes, a partir do topo de um dos dois prédios do Complexo Mauá

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GCM monitora fluxo na Rua dos Gusmões, na Cracolândia, com Complexo Mauá ao fundo

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GCM monitora fluxo na Rua dos Gusmões, na Cracolândia

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Pátio interno do Complexo Mauá, em São Paulo

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A vida agora é de restrições e artimanhas para reduzir os danos. Encomendas no endereço de parentes, caminhadas por perto somente sem o celular, formação de grupos para sair em comboio para o trabalho e embarque em carros por aplicativo ou de crianças em van escolar somente em ruas mais afastadas.

Em casa, as janelas estão sempre fechadas para evitar o barulho do fluxo e ameaças. Para evitar constrangimentos, nada de visitas de familiares e amigos. Delivery de comida, só com monitoramento online para evitar que o entregador desista de aguardar na portaria —e isso com muita sorte.

Além de receber o fluxo noturno nas proximidades da esquina com a Avenida Rio Branco, a Gusmões também é palco da concentração de usuários nos fins de tarde, no cruzamento com a Triunfo, quando ocorre a limpeza da Rua dos Protestantes, onde permanecem ao longo do dia. Isso faz com que a via seja ocupada praticamente o tempo todo por dependentes químicos.

A pedagoga Patrícia (nome fictício), 43 anos, mora com os dois filhos no prédio e conta que motoristas de aplicativo não se aventuram pela Gusmões. “Não tem solução. Os carros não aceitam as corridas. Se quisermos usar, temos que nos deslocar para outras ruas”, diz.

Patrícia diz que os moradores reclamam também da dificuldade de transporte das crianças para escola. “Muitos motoristas de van escolar já foram ameaçados e não querem mais pegar as crianças no prédio, pedem para as mães levarem para outra rua”, afirma. “Na maioria da vezes, as mães têm que passar com as crianças no meio do fluxo.”

Zigue-zague pelo próprio bairro para evitar as concentrações de usuários também fazer parte da estratégia de sobrevivência de moradores do Residencial Gusmões.

O analista de marketing Wilson, 29 anos, afirma que o prédio foi construído sem garagem justamente para que os moradores fossem estimulados a usar o transporte público, com estações de trem e metrô que, olhando no mapa, são próximas. Entretanto, as coisas são diferentes na prática.

“O caminho que demoraria cinco minutos a pé, que é da Estação da Luz até em casa, leva pelo menos 20 minutos à noite”, diz. Isso acontece porque o analista de marketing tem que dar uma volta pelo bairro para evitar a concentração de usuários. “De que adianta morar perto de estação, né?”, questiona.

Comboio

A analista financeira Maria, 31 anos, está atualmente desempregada. Mas quando seguia para o serviço, caminhava em comboio com outros moradores. “Eu me organizava para andar em grupos até a estação. Ou pedia para meu pai ir comigo, nunca sozinha, por causa do medo”, diz.

Moradores do Residencial Gusmões não têm direito nem mesmo de receber encomendas no próprio prédio. “Normalmente, coloco para receber no endereço da minha tia, na casa do meu irmão”, afirma a analista financeira.

Pedir comida por aplicativo apenas de restaurantes da região, com entrega que possa ser monitorada em tempo real para não deixar o motoboy parado desnecessariamente em frente ao prédio. Tudo isso para evitar dissabores, embora nem sempre dê certo. “Já aconteceu de ter meu pedido cancelado, porque o entregador chegou na esquina, viu a situação e foi embora”, afirma a analista.

Familiares da analista também deixaram de frequentar o prédio para evitar constrangimentos e por medo do fluxo. “A minha sobrinha tinha 3 anos, um usuário de droga abaixou as calças e começou a defecar. O meu irmão e a minha cunhada nunca mais permitiram que ela viesse aqui”, diz. “Imagina as crianças que vivem aqui no prédio? Esse é o questionamento e é nessa situação em que vivemos”, afirma.

Crianças

Profissional da enfermagem, Carla (nome fictício), 50 anos, vive com a filha e o neto no prédio da Gusmões. O cenário caótico faz com que a criança vá para a casa dos outros avós nos fins de semana. “Meu neto fica com os outros avós para poder brincar na rua com os amigos e para se livrar da poluição sonora do usuário e da venda de drogas, pois ele gritam ‘olha o pó, olha a maconha’, entre outras coisas”, diz.

Também envolve a criança uma das grandes preocupações de Carla. “O tio da perua [motorista da van] que leva meu neto para a escola teve o celular roubado em frente ao meu portão. Pedi pelo amor de Deus para ele não desistir, porque é o único que vem buscá-lo nessa região”, afirma.

Terror

Moradores do Residencial Gusmões contam que, a exemplo do que aconteceu com o Complexo Mauá, também foram atraídos para a região com a promessa de revitalização do centro, além dos benefícios para a aquisição dos apartamentos.

“Já foram acionados todos os órgãos possíveis para que haja uma solução, mas o que acontece é o empurra-empurra de noias”, diz Carla. “Não se tem um minuto de paz, e isso é de segunda a segunda”, afirma.

Para a pedagoga Patrícia, o medo é constante e o que não falta são ameaças. “Já tivemos até o prédio vandalizado, quebraram as câmeras e moradores foram agredidos. Semana passada agrediram uma senhora de 60 anos que estava se manifestando. Trinta usuários a cercaram”, diz.

Segundo o analista de marketing Wilson, até mesmo armas foram apontadas para as janelas do prédio. E moradores que ousaram caminhar com cartazes de protesto pelas ruas foram abordados.

Questionados na última semana a respeito dos problemas na região, Prefeitura de São Paulo e governo estadual descreveram as ações que desenvolvem e que, segundo as autoridades, teriam surtido efeito nos últimos meses.

O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação, que o Complexo Mauá foi idealizado para complementar as políticas públicas e esforços do estado e do município para requalificar a área central da capital e aproveitar a infraestrutura existente e subutilizada.

Entre outras coisas, diz que promoveu a revitalização da Praça Júlio Prestes e do 2º Grupamento da unidade do Corpo de Bombeiros, além da construção da creche municipal Nova Luz para 162 crianças.

O governo estadual diz que, desde o início da gestão, a Secretaria de Segurança Pública intensificou o policiamento preventivo e ostensivo na região central, buscando desarticular o tráfico de drogas e aumentar a segurança da população que vive e trabalha na região. “Somente nas últimas 24h, por exemplo, dois grandes traficantes que abasteciam a região da Cracolândia foram presos em operações das polícias Civil e Militar”, afirmou a pasta, na última sexta-feira (18/8).

A SSP também disse que os índices criminais analisados semanalmente indicam uma mudança no cenário de degradação que já vem de vários anos. Os roubos caíram pela 19ª semana consecutiva. Na comparação com a semana entre março e abril, o índice caiu 53%, enquanto o de furtos caiu 31%.

Já a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB), diz que o fluxo “possui dinâmica própria e movimenta-se pelas ruas do Centro, especialmente quando observado seu padrão de acomodação ao longo do tempo”.

A administração citou uma série de iniciativas que realiza na região central, entre elas o Programa Redenção, com profissionais das áreas da saúde e assistência social que atuam tanto no fluxo principal quanto em outros trechos, oferecendo tratamento e acolhimento para os usuários em situação de rua. “Dezenas são encaminhados diariamente para diferentes unidades de tratamento, inclusive em parceria com o governo do estado”, diz, em nota.

A prefeitura diz que estão incluídos no projeto de lei sobre IPTU os imóveis comerciais e residenciais de trechos de seis ruas e que o perímetro a ser beneficiado foi definido com base na contagem diária do fluxo de dependentes químicos nessa área. “A gestão municipal ressalta que a proposta está em análise do Poder Legislativo, onde será discutida com a sociedade de forma democrática e transparente, e poderá sofrer alterações”, conclui.

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