Crianças compõem fluxo de dependentes químicos da Cracolândia em SP

Reportagem flagrou garoto aparentemente sob o efeito de drogas caminhando por calçada na região central da capital

atualizado 05/02/2023 18:43

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Reprodução

São Paulo – Crianças de todas as idades estão no meio do fluxo de dependentes químicos, peregrinando pela região central de São Paulo, desde que o grupo foi dispersado em maio do ano passado, pela polícia, de seu último quadrilátero de concentração, na Praça Princesa Isabel.

Moradores e comerciantes estão habituados a ver crianças usando drogas e também mendigando, junto com adultos, principalmente nas regiões da Santa Efigênia e Campos Elíseos, bairros do centro paulistano, onde a Cracolândia atualmente circula.

Há inclusive um garoto, com aproximadamente 10 anos de idade, que já é conhecido dos frequentadores do centro por circular pela região comportando-se aparentemente sob o efeito de drogas.

O Metrópoles conseguiu flagrar o momento em que a criança andava, com a coordenação comprometida, em uma calçada da Rua Conselheiro Nébias, na manhã deste sábado (4/1).

Com medo de represálias, principalmente de traficantes de drogas, moradores e comerciantes toparam falar com a reportagem, desde que suas identidades fossem mantidas em sigilo.

Entre o tráfico e o uso

“Tem criança a madrugada inteira na rua. Elas ficam berrando o tempo todo. As crianças também são usadas de ‘avião’ [para levar droga de um lugar para outro]. Já fiz denúncias várias vezes, aqui é cheio de criança. Em frente ao meu prédio, a criançada toda passa a noite no meio do tráfico da drogas”, afirmou uma moradora.

A Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social, da Prefeitura de São Paulo, afirmou neste sábado encaminhar crianças e adolescentes para o Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes (Saica), quando eles “aceitam o acolhimento.”

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo afirmou, neste domingo (5/1), ter realizado juntamente com agentes sociais de saúde, no sábado, uma busca ativa na região da Cracolândia “para verificar a situação de vulnerabilidade de menores”. A ação, acrescentou a pasta, focou-se na Avenida Duque de Caxias, Rua Vitória e derredores. A secretaria foi questionada sobre eventuais indiciamentos de pessoas suspeitas de corrupção de menores na região, mas não se posicionou sobre.

Fluxo Rua Gusmões Cracolandia
Dependentes químicos se concentram na Rua Gusmões, no centro de SP

Outra moradora do centro afirmou testemunhar pais e mães levando os filhos para comprar drogas, que segundo ela, “é o que mais acontece” no centro de São Paulo. “A gente vê pai e mãe usando droga com a criança, é o que mais acontece. A própria prefeitura, se colocar uma câmera na rua consegue identificar todos eles”, garantiu.

Além das crianças acompanhadas pelos pais, outras perambulam sozinhas pela região. Por causa do vício, geralmente em crack, os jovens apresentam comportamento agressivo e também mau odor, pela falta de cuidados de higiene pessoal.

Um empresário que mantém comércios no centro de São Paulo há mais de uma década afirmou que, pela frequência que são vistas na região, algumas crianças já são conhecidas como dependentes químicas precoces.

“Tem uns aqui que a gente já conhece pelo nome. Tem um menino aí. Não sei se ele já tinha alguma deficiência, ou se a droga corroeu a mente dele. Ele é conhecido por todo mundo do centro por ser viciado absurdamente em crack. Também tem as crianças que ficam com os pais, ajudando a pedir esmola ou comida em frente aos restaurantes.”

A reportagem apurou que, para conseguir comprar drogas, os dependentes químicos costumam vender papelão e alumínio em ferros-velhos do centro. Outra forma de conseguir dinheiro é pedir esmola, que na gíria das ruas é “manguear”, ou seja, contar uma história triste para comover o interlocutor. Os usuários de droga também costumam pedir marmitas de doação, vendidas a terceiros por R$ 5, ou entregues a traficantes, em troca de uma porção de droga, geralmente o crack.

Há ainda o cometimento de furtos e roubos, contra pedestres e ocupantes de veículos, como já foi denunciado pelo Metrópoles em outras ocasiões. Os horários com maior concentração de delitos, segundo frequentadores da região, oscilam entre as 5h e 7h, principalmente nas proximidades da Avenida Rio Branco e das Ruas Vitória e Guaianases.

Locação de tragadas

Uma forma de permuta feita entre os dependentes químicos, descoberta pelo Metrópoles, é o pagamento de pequenos valores, para que o usuário possa dar um trago no cachimbo de outra pessoa.

Caso a busca por dinheiro não renda, ou a fissura aperte, alguns dependentes cobram R$ 2 para terceirizar o uso do crack. Com esse valor, é possível dar um trago na droga, arrefecendo temporariamente os efeitos da abstinência.

Há ainda a locação de cachimbos, para os usuários que tenham droga mas que estejam sem onde fumá-la.

“Tocando a boiada”

O antigo fluxo, que chegou a concentrar mais de dois mil dependentes químicos no mesmo quadrilátero, agora está fragmentado em pequenas cracolândias pelo centro.

Os dependentes migram de rua em rua, conforme são dispersados diariamente pela Polícia Militar e a Guarda Civil Metropolitana. Onde os fluxos se concentram, comerciantes e moradores são prejudicados, principalmente pela insegurança e sujeira.

“O fluxo é um evento social a céu aberto, com segurança pública. Tem policial de um lado e outro da rua, enquanto os nóias [dependentes químicos] ficam usando droga no fervo. A Cracolândia não é mais um lugar, é um conceito, um estilo de vida para essas pessoas. O problema não é resolvido, ficam [autoridades] tocando a boiada de uma rua para a outra”, afirmou o empresário que mantém comércios na região.

Por estar há mais de dez anos no centro, ele testemunhou a mudança de comportamento e atividades dos dependentes químicos, além de sentir no bolso as consequências da violência e insegurança.

De acordo com o empresário, desde que o fluxo foi dispersado, em maio do ano passado, ele perdeu 75% de seu faturamento, enxugando em 60% o quadro de funcionários. “Agora, vivo uma outra situação. Há sempre um déficit de 30% ou 35% no número de funcionários. Isso se mantém porque as pessoas começam a trabalhar e acabam desistindo depois de dez, 15 dias, por causa da insegurança. Não consigo preencher meu quadro de profissionais por isso. Está sobrando vagas de emprego.”

Ele acrescentou acreditar em uma solução para os problemas na região. O que falta, afirmou, “é comprometimento e boa vontade das autoridades.”

Segurança Pública

A Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo afirmou, em nota enviada neste sábado (4/1), que o reforço do policiamento na região central de São Paulo “é uma das prioridades da gestão.”

A pasta disse que lançou, em 11 de janeiro deste ano, a Operação Impacto que objetiva “ampliar a ação ostensiva, potencializar a percepção de segurança e reduzir os indicadores criminais, por meio de reforço operacional direcionado e do planejamento estratégico baseado no uso de inteligência policial e geoprocessamento de dados.”

Neste domingo, a SSP encaminhou mais uma nota ao Metrópoles. Nela a pasta afirma ter intensificado desde janeiro o policiamento na região da Cracolândia.

Entre os dias 30 e 31 de janeiro, segue a nota, foram presos sete suspeitos, dois por roubo de celular e os demais por envolvimento na receptação de aparelhos ou no tráfico de drogas. Foram apreendidos 18 celulares no período.

Passaram a reforçar o patrulhamento na região, ainda de acordo com a SSP, equipes da 2ª CIA do 7º Batalhão da e da 2ª CIA do 13º Batalhão da PM. Também estão presentes na região o Comando de Policiamento de Choque, Comando de Policiamento de Trânsito, Força Tática e Batalhão de Ações Especiais (Baep).  A área também conta com rondas do Grupo Especial de Reação (GER) e do Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos (Garra), da Polícia Civil, “visando ao combate dos crimes no centro.”

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