Apesar da promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que o processo de privatização da Eletrobras será revisitado, o Tribunal de Contas da União (TCU) parece convicto de que não há razões para que isso ocorra.
Durante um evento em São Paulo nesta segunda-feira (27/3), o presidente do TCU, Bruno Dantas, disse considerar “legítimo o debate” sobre a venda das ações da empresa de energia pela União, mas afirmou não ver “muito espaço para uma discussão judicial”.
“Eu considero legítimo o debate. Agora, algo que foi feito, (que está) pronto, acabado e se encontra em plena vigência, eu considero difícil o Supremo Tribunal Federal entrar numa questão como essa, em que você tem o ato jurídico perfeito”, disse Dantas, em evento organizado pela Arko Advice.
Na semana passada, Lula classificou a privatização da Eletrobras como um crime de lesa-pátria e disse que “isso não ficaria assim”. Não foi a primeira vez que o presidente criticou a desestatização da companhia – Lula já havia chamado as cláusulas do processo de “leoninas”.
A Eletrobras foi privatizada em junho de 2022, em operação na Bolsa de Valores. O governo vendeu no mercado aproximadamente 10% das ações que tinha, ficando com uma fatia de 43%, o que, na prática, tornou a Eletrobras uma empresa de capital pulverizado (ou seja, sem um controlador que detenha mais de 50% das ações). A operação rendeu R$ 33 bilhões para os cofres da União no ano passado.
“A própria Constituição garante o ato jurídico perfeito. Não vejo muito espaço para uma discussão judicial. Vamos ver, o Supremo tem o direito de errar por último muitas vezes, vamos aguardar para ver”, afirmou o presidente do TCU. Após a fala do ministro do TCU, as ações da Eletrobras encerraram em alta de 6%
Especialistas corroboram a visão de que as chances de o governo conseguir reverter o processo de privatização são baixas. Primeiro, porque o processo de venda de ações e de saída do controle da Eletrobras foi aprovado pelo próprio Tribunal de Contas da União (por 7 votos favoráveis e apenas 1 contrário) e pelas duas casas legislativas (Senado e Câmara), como prevê a lei.
Vale lembrar que esse foi um capítulo iniciado em 2017, ainda no governo de Michel Temer, quando foi proposta a Medida Provisória 814. Foram quase cinco anos de debates em comissões e no plenário até que a privatização fosse aprovada e, então, sancionada por Jair Bolsonaro. Ou seja: o custo político de tentar reverter um processo que seguiu o rito constitucional seria elevado para Lula.
Mais de R$ 100 bilhões para retomar o controle
O segundo ponto, e o mais sensível para o governo atual, é o custo financeiro. Durante a privatização, foi inserida na lei que permitiu a venda de parte do capital da Eletrobras uma cláusula chamada pelo mercado de poison pill (pílula de veneno). Foi determinado que qualquer acionista que deseje ter mais de 50% do capital da empresa deverá pagar uma dinheirama para ter o controle.
Caso o governo ou qualquer outro grupo privado compre ações até atingir mais da metade do capital da Eletrobras, ele deverá ofertar aos acionistas restantes (os minoritários) a opção de também vender sua parte. O preço dessa venda será calculado com um prêmio. O novo acionista controlador deverá pagar 200% do valor médio de cotação da ação nos 504 pregões anteriores da Bolsa.
Em termos práticos, qualquer um que deseje ter o controle da Eletrobras, hoje, desembolsaria ao menos R$ 100 bilhões. Como trata-se de uma compra de ações, não há possibilidade contratual de parcelar esse valor. As contas foram feitas pelo banco suíço UBS e pela corretora Ativa.