Reforma tributária é uma “ficção”, diz vice-presidente da Fecomercio

Após apresentação de diretrizes da reforma tributária, Márcio Olívio, da Fecomercio de SP, diz que medidas aumentarão custo ao consumidor

atualizado 13/06/2023 10:01

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Ag. Tutu/Fecomercio/Divulgação

O grupo de trabalho responsável pela reforma tributária no Congresso apresentou neste mês as diretrizes do texto, uma prévia antes do relatório a ser votado. Como esperado, uma chuva de posicionamentos contrários do setor de serviços se seguiu.

Para o vice-presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) e presidente do Conselho de Assuntos Tributários da instituição, Márcio Olívio, a reforma apresentada é “uma ficção”. “Falam que o mundo será maravilhoso e espetacular depois dessa reforma, mas faz dez anos que conhecemos essas propostas e não mostram essas contas”, diz Olívio ao Metrópoles. “O governo diz ‘não vamos aumentar impostos, confiem nisso’. É uma falácia.”

A principal briga, no caso dos serviços, é que a alíquota sobre o lucro presumido passaria da ordem de 10% (hoje com ISS e PIS/Cofins) para 25% (alíquota de um eventual imposto unificado, o chamado IVA). O futuro do emaranhado de benefícios fiscais atuais também é questionado pelo setor, assim como a autonomia de estados e municípios.

O secretário especial da reforma, Bernard Appy, tem citado um estudo que estima que o Produto Interno Bruto (PIB) potencial subiria 12% em 15 anos com uma simplificação oriunda das mudanças. “Esquece setor, a tributação não é sobre setor”, chegou a dizer sobre o tema.

Olívio, no entanto, defende que o objetivo do governo é aumentar sua arrecadação “a custa dos serviços”. Ele afirma ainda que o governo deveria ter feito uma reforma administrativa antes da tributária e que os consumidores serão prejudicados com o modelo proposto. “O aumento em serviços vai parar nos aumentos de produto de modo geral”, diz. Veja abaixo os principais trechos da entrevista.

Como os empresários do comércio viram as diretrizes da reforma tributária apresentadas?

O sistema empresarial solicita há muitos anos uma reforma tributária que dê segurança jurídica e que arrecade o que a sociedade pode pagar. Mas eles não estão buscando simplificação, só estão complicando. Esse relatório não tem novidade nenhuma. Desde 2019 falamos dessas PECs e continua sem conteúdo. Estamos discutindo uma ficção, porque o projeto não apresenta detalhes. O que vai acontecer é que vai ser apresentado no substitutivo em cima da hora, para ninguém conseguir debater em tempo. A única conclusão a que chego é que querem pegar todos desprevenidos.

Mas qual seria a alternativa?

Sempre defendemos a simplificação, a redução do custo e apuração dos tributos necessários. Mas sem necessidade de uma PEC [Proposta de Emenda à Constituição]. Daria para ser feito por mudanças infraconstitucionais. E defendemos que, antes de fazer uma reforma tributária, fosse feita uma reforma administrativa. Não tem cabimento estabelecer quanto a sociedade deve contribuir sem ter definido antes quanto recurso é necessário. Durante anos fomos transformando o sistema nesse Frankenstein que temos. Sempre que precisa de dinheiro aumenta tributo. Nos últimos 40 anos, saímos de 23%, 25% de carga tributária para 34% [em relação ao PIB]. Se continuar com essa filosofia, não vai ter nunca um sistema tributário que fique de pé.

O secretário Bernard Appy tem dito que é para “esquecer setor”, que o impacto será no agregado.

O governo diz “não vamos aumentar os impostos, confiem nisso”. É uma falácia. A Fecomercio responde por comércio e serviços de turismo, que terão aumento tributário. Estão condicionando um aumento muito grande setorialmente, enquanto foi diminuído a obrigação da indústria e do financeiro. Dirão que serviço é coisa de rico, o que não é verdade. A indústria também precisa de muito serviço, de comércio.

Mas os defensores da reforma dizem que com o modelo atual a indústria é muito onerada, e por isso teria de haver uma correção. Como o senhor vê esse argumento?

O aumento em serviços vai parar nos aumentos de produto de modo geral. Cada tostãozinho que aumenta de imposto de serviços, estará concentrado no consumo e diminuirá o poder aquisitivo da sociedade. Você vai consumir mais imposto e menos mercadoria.

Estamos vendo nas regiões mais adiantadas do mundo inteiro um cenário pós-industrial, com a indústria transferida para outras regiões onde a mão de obra é muito mais barata, cada vez mais a indústria se robotizando. A tendência é diminuir ainda mais nos próximos tempos. Aí o governo pensa, “onde vamos faturar? Na indústria não é, porque vai diminuir de tamanho; então, vamos cobrar dos serviços”.

A criação do IVA dual, com imposto unificado, não pode ajudar nessa simplificação que os empresários de serviços demandam?

O anseio do empresário hoje é diminuir a instabilidade na hora de discutir os tributos, a insegurança jurídica gerada por esse sistema caótico. Mas teremos que conviver durante anos com dois sistemas, um novo e um antigo. Vão ser seis, dez anos, e ninguém sabe, ninguém diz como vai ser. Por exemplo, desde que existe o ICMS [imposto estadual sobre mercadoria e serviços, que será substituído na reforma], estamos discutindo a legitimidade e criamos uma jurisprudência, e mesmo assim é confuso. E agora, quanto tempo vamos levar para criar a mesma jurisprudência para outros? Qual é a necessidade de uma PEC, se poderíamos melhorar com medidas muito menos dificultosas?

Essa história de devolver o tributo para os mais desafavorecidos, por exemplo. Vai ser uma complicação. E vão devolver mesmo? Raramente vejo o contribuinte recebendo do governo o que tem direito. Além disso, a PEC é só o princípio geral. Depois terão as leis para regulamentar. Ou seja, vamos dar um cheque em branco para depois fazerem como quiserem.

Os senhores estão em contato com os parlamentares para falar desses pontos?

Estamos em contato, não tenha dúvida. Temos ido aos gabinetes dos deputados, senadores, mandado ofícios sistematicamente. Essa é a dificuldade que temos apontado para eles todos: achamos que uma PEC teria de ser uma coisa menos agressiva do que essa.

Congressistas da esquerda à direita têm defendido os pontos gerais da reforma como uma agenda “de país”. Por que os comerciantes avaliam que esse benefício não será visto na prática, então?

Falam “o mundo será maravilhoso e espetacular depois dessa reforma, vocês vão ganhar mais dinheiro”. Mas faz dez anos que conhecemos essas propostas e não mostram essas contas. O projeto é uma ficção. Não mostram as contas porque não é assim como estão dizendo.

Esse projeto foi apresentado no governo de centro do Michel Temer, no governo de direita do Bolsonaro e agora no governo de esquerda do Lula. E não foi para frente em nenhum. Mas o que [a reforma] tem em comum para todos esses governos quererem fazer? Aumento de arrecadação. Querem cada vez mais dinheiro porque há um sistema que eles não querem corrigir via reforma adminstrativa.

O Brasil não tem crescido principalmente por causa disso. Sobra muito pouco para o governo fazer investimento. A empresa sobrecarregada de tributos, a sociedade sobrecarregada de tributos, e nós vamos continuar andando de lado. Uma carga de 34% que o Brasil tem hoje é um absurdo. E como não dá mais para aumentar, porque já é um despropósito, o jeito que acharam foi vir para cima dos serviços.

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