“Não há crise de crédito, mas o aperto atual é duro”, diz economista

Para Rafaela Vitória, do Banco Inter, atual seca de recursos no mercado pode levar a uma queda ainda maior da atividade econômica no país

atualizado 11/03/2023 6:07

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imagem colorida rafaela vitória economista banco inter Divulgação

A atual situação do mercado de crédito é um tema que tem reverberado com força crescente nos debates no Brasil. E isso acontece por um motivo simples: sem o dinheiro dos empréstimos bancários ou da emissão de títulos por parte de empresas, o crescimento econômico patina. Ou seja, num cenário desse tipo, o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) nacional pode ficar abaixo do já minguado 1% previsto para este ano.

E que mais? “No limite, o Brasil pode entrar numa recessão, ainda que técnica”, diz a mineira Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter. Figura em ascensão no rol dos analistas econômicos brasileiros, Rafaela, ou Rafa, como é chamada, só representa uma novidade para as pessoas que começaram a segui-la recentemente nas redes sociais ou a veem com frequência cada vez maior na mídia. Quem a conhece, porém, sabe que ela atua no mercado financeiro há 28 anos.

Nesse período, acumulou passagens pelo BankBoston e pela agência de classificação de riscos Standard & Poor’s. A seguir, em entrevista ao Metrópoles, Rafa, de 49 anos, trata de um dos temas que fazem parte do seu dia a dia: justamente, a atual situação do mercado de crédito no Brasil. Para ela, ele não está numa crise do tipo sistêmica, mas o “aperto” em curso é “duro” e já se faz sentir pesadamente.

Você diz que o mercado de crédito mudou muito nos últimos anos no Brasil? Em que aspecto isso aconteceu?

Hoje, boa parte do crédito obtido pelas empresas não vem apenas dos bancos, mas também do mercado de capitais. Ele vem direto dos investidores que compram títulos dessas companhias como é o caso das debêntures. Para dar uma ideia de como isso mudou, basta dizer que a soma da emissão desses títulos foi de cerca de R$ 100 bilhões, em 2015. No ano passado, ela chegou a R$ 600 bilhões. Ou seja, multiplicou muito rapidamente.

Como ocorreu essa mudança?

Muitas coisas aconteceram. Uma delas foi o fim dos empréstimos altamente subsidiados, e com custo elevadíssimo para o Tesouro, que eram concedidos a empresas pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) até 2016. Desde então, o mercado passou a ocupar parte desse espaço. Houve ainda o surgimento de plataformas digitais e corretoras independentes que ampliaram o número de investidores.

E como está o mercado de crédito hoje no Brasil?

Ele caiu nos últimos meses. Quando você compara os dados de janeiro e fevereiro vê um aperto significativo. As emissões no mercado de capitais tiveram uma queda expressiva nesse período.

Qual foi o tamanho dessa queda?

As emissões de títulos, por exemplo, somaram cerca de R$ 13 bilhões em fevereiro. Na média mensal do ano passado, elas foram além de R$ 40 bilhões. Assim, no mês passado, reduziram em quase dois terços.

E qual a situação do mercado de crédito dos bancos?

Em janeiro, o último dado disponível, houve queda na concessão de crédito, principalmente, para empresas. Mas o mais impressionante foi o aumento do custo dos empréstimos. A taxa média de juros cobrada das companhias subiu dois pontos percentuais. Em um único mês, isso é bastante atípico.

Existe uma crise no mercado de crédito?

Não há crise do tipo sistêmica, mas o aperto atual é duro.

Qual foi a causa desse problema?

Foi o caso da Americanas. Ele pegou muita gente de surpresa e fez com que os bancos revisitassem suas análises. Os especialistas estão querendo entender o que deixaram de ver nesse episódio, para não cometer o mesmo erro novamente.

Mas alguns bancos já vinham enfrentando problemas com o crédito por causa do avanço da inadimplência.

Sim. Boa parte dos empréstimos bancários são indexados pela Selic (a taxa básica de juros do Brasil). Quando ela aumenta (saiu de 2% ao ano, em agosto de 2020, e permanece em 13,75% ao ano, desde agosto de 2022.), a inadimplência cresce. Mas o caso da Americanas foi o fator preponderante do atual aperto do crédito. Ele acelerou o problema.

Há outros fatores que agravam o aperto do crédito?

Existe o componente internacional. O mundo também vive um momento de aperto monetário. Antes disso, grandes empresas brasileiras poderiam recorrer ao mercado externo para obter recursos tanto de empréstimos como de emissões. Agora, ele está fechado. O investidor estrangeiro também não tem apetite para risco neste momento.

E quais as consequências desse aperto do crédito?

Uma delas é uma atividade econômica ainda mais fraca do que a gente previa, lembrando que as estimativas de crescimento do PIB para este ano giram em torno de 1%. No curto prazo, ele pode colocar o país numa recessão técnica (quando o PIB é negativo por dois trimestres seguidos; isso já ocorreu no quatro trimestre de 2022, quando o indicador caiu 0,2%).

Essa recessão técnica, se vier, terá algum impacto concreto?

A queda da atividade é sempre ruim. No cenário atual, o que ameniza essa situação é o fato de ainda termos um mercado de trabalho robusto, com crescimento da renda média registrado no quarto trimestre do ano passado. Por isso, caso aconteça uma recessão, ela vai ser mais suave. Não vai haver uma aceleração da taxa de desemprego no país num prazo curto de tempo.

Em reunião com ministros na sexta (10/3), o presidente Lula disse que o governo “não pode aceitar a ideia de que o PIB não vai crescer”. A pergunta é: o PIB de fato pode avançar de forma expressiva em 2023?

Difícil. Temos uma inflação ainda alta e, por isso, estimular o crescimento, o que também exerceria uma pressão inflacionária, seria um erro de política econômica. Na verdade, o que o governo deveria fazer é construir o caminho para o crescimento no futuro. Talvez, a partir de 2024. Em 2023, o melhor seria definir um bom arcabouço fiscal, reduzir a inflação, definir marcos regulatórios, fazer a reforma tributária.

O que mais a preocupa no atual quadro econômico brasileiro?

Sem dúvida, é o cenário fiscal (dado pela relação entre gastos e receitas do governo). Até agora, de acordo com as últimas declarações dos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) parece que o plano do novo arcabouço fiscal (que deve ser anunciado neste mês) é retomar o equilíbrio das contas públicas. Mas o ponto final do tem de ser a redução da dívida. Para isso, precisamos de superávit.

Qual a melhor forma de ter superávit?

No mundo ideal, fazer superávit cortando apenas gastos seria muito bom. Mas no mundo real, no “mundo Brasil”, é muito difícil cortar gastos. Então, vamos ter algum aumento de arrecadação e ele pode vir pela reforma tributária.

E quais são suas previsões para os juros no Brasil? 

O aperto do crédito e a consequente redução da atividade econômica pode levar a uma queda da inflação, algo que ainda não está acontecendo.  Se ocorrer, isso pode abrir espaço para uma diminuição da taxa básica de juros antes do esperado. Na nossa avaliação, ela talvez chegue a 12% em junho (hoje, está em 13,75%). Nós acreditávamos que isso só iria acontecer a partir de agosto.

E a inflação?

O IPCA de fevereiro veio acima do esperado. Para mim, esse é um ponto de atenção, uma luz amarela diante de um governo que quer promover gastos, um sinal de alerta contra uma política fiscal expansionista.

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