“Inverno das startups”: a conta chegou após dinheiro farto na pandemia

Demissões em massa e redução dos aportes marcam nova fase das startups depois de “boom” em 2021; especialistas veem investidores cautelosos

atualizado 06/02/2023 16:42

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startup Unsplash

Depois de um período de forte expansão no auge da pandemia de Covid-19, em 2020 e 2021, com grande liquidez do mercado, dinheiro farto e sucessivos recordes de captação, o inverno chegou para as startups.

No ano passado, uma série de empresas emergentes, recém-criadas ou em fase de desenvolvimento, tiveram de enfrentar uma maré adversa, que levou à queda no volume de aportes e demissões em massa em companhias como Loft, Quinto Andar, 99, Facily e Buser.

Segundo dados da consultoria Sling Hub, os investimentos em startups no Brasil somaram US$ 5,2 bilhões (cerca de R$ 26,5 bilhões) em 2022, um recuo de 50% em relação ao montante registrado no ano anterior (US$ 10,5 bilhões). Em toda a América Latina, a retração foi de 35%, caindo de US$ 18,4 bilhões para US$ 12 bilhões em aportes.

Ainda de acordo com o relatório, as rodadas de investimentos superiores a US$ 50 milhões despencaram no ano passado. No Brasil, foram 26, ante 47 de 2021; na América Latina, o total caiu de 93 para 62 de um ano para o outro.

A quantidade de unicórnios – startups cuja avaliação de mercado supera US$ 1 bilhão – foi reduzida pela metade na região, de 21 para 10. No Brasil, somente a Neon e a Dock ultrapassaram a marca de US$ 1 bilhão, ante 10 empresas que se tornaram unicórnios em 2021.

O empreendedor Paulo Veras, cofundador da 99 (primeira startup do país a alcançar o posto de unicórnio) e longe da companhia há cinco anos, quando vendeu sua participação, afirma que muitas startups cresceram além do que poderiam no período de bonança. “O acesso a capital muito fácil e barato levou muitas startups a gastarem mal. Levantaram mais dinheiro do que precisavam e gastaram muito mais rápido. Vivemos um ciclo de exageros e agora estamos vivendo uma correção. Essa conta um dia chegaria – e chegou”, diz.

Entre os fatores apontados como responsáveis por esse novo quadro, está o cenário político-econômico global conturbado, com a guerra entre Rússia e Ucrânia, a desorganização das cadeias produtivas, inflação e juros altos.

“Grande parte dessa redução de capital para investimentos em startups está ligada ao cenário econômico mundial. Alguns dos principais fundos de investimento vêm cortando investimento diante das incertezas econômicas”, constata Marcos Pedroso, gerente de Parcerias e Plataformas Abertas na TecBan, empresa especializada em gestão de redes de autoatendimento bancário. “Nesse contexto, muitas empresas que tinham feito captações e estavam esperando crescer ainda mais acabaram sendo impactadas.”

Juro alto diminui apetite do investidor

“Um dos principais motivos (para a queda das startups) é a alta da taxa de juros, que causou um aumento substancial no custo de capital depois de muitos anos de juros baixíssimos. Tinha muita liquidez no mercado, muito dinheiro fluindo”, explica Paulo Veras. “Vivemos mais de uma década de capital muito barato e os fundos que investem em startups cresceram nesse ciclo de juro baixo.”

Diagnóstico semelhante tem Isac Costa, professor do Ibmec e especialista em tecnologia. “Tivemos uma emissão monetária sem precedentes na história da economia. No final de 2020, houve uma emissão de dólares muito grande pelo Federal Reserve (o Banco Central dos EUA). Também houve uma enorme aposta em tecnologias emergentes. Foi a primeira vez que essas tecnologias tiveram acesso a capitais muito vultosos”, afirma.

“Em 2022, um dos principais efeitos colaterais dessa política de estímulos à economia foi a inflação”, explica Costa. “Com o aumento da inflação, houve um aperto das políticas monetárias, com o aumento da taxa de juros. Esse aumento dos juros faz com que os títulos públicos ou de renda fixa fiquem mais atrativos e o apetite dos investidores diminua para os ativos de maior risco, como startups.”

O que esperar de 2023

De acordo com um levantamento da KPMG, o volume de venture capital – ou capital de risco, uma modalidade de investimento focada em empresas de pequeno e médio porte que têm alto potencial de crescimento, mas baixo faturamento – recuou 51% no Brasil, entre o primeiro semestre de 2021 e de 2022. O investidor agora está mais cauteloso.

“Acho que vai ser assim neste ano. Não vejo nenhuma mudança radical em 2023. Vai continuar havendo transações, mas com taxas menores do que antes e em volumes de dinheiro menores”, dizPaulo Veras. “O que vimos até o fim de 2021 era um mercado no qual você tinha fundos disputando a tapa espaço para conseguir entrar nas melhores empresas. Agora é o contrário: os empreendedores têm de gastar muita sola de sapato para encontrar um fundo que dê condições razoáveis para eles fecharem uma rodada.”

Para Isac Costa, a fase atual das startups não é definitiva, mas pode ser duradoura. “Isso não significa que as startups vão acabar ou que esse inverno vai durar para sempre, mas simplesmente que os investidores e fundos especializados vão ficar mais seletivos, ao contrário daquele discurso de euforia, de unicórnios”, afirma. “Qualquer empresa que aparecia na esquina tinha um aporte de R$ 10 milhões, R$ 20 milhões… Agora, os investidores serão mais criteriosos e vão privilegiar a capacidade da startup de ter um modelo sustentável.”

Demissões

No início de janeiro deste ano, a 99 deu início a uma nova rodada de demissões – a segunda em um intervalo de quatro meses. Em setembro, a empresa já havia dispensado 100 funcionários e colaboradores. A 99 também já havia decidido diminuir o ritmo do seu app de delivery, deixando o serviço de entrega e focando apenas na gestão dos pedidos.

Em dezembro, a startup de imóveis Loft demitiu mais de 300 funcionários, o equivalente a 12% de sua força de trabalho. Foi o terceiro corte em 2022, totalizando 900 pessoas dispensadas desde abril. Dados do site Layoffs Brasil, que acompanha o setor, mostram que as startups dispensaram mais de 5 mil profissionais no país apenas entre janeiro e julho do ano passado.

“Praticamente todas as startups grandes diminuíram o quadro de funcionários. Difícil é achar alguma que não fez isso”, diz Paulo Veras, um dos fundadores e ex-executivo da 99.

“O modelo de fazer as corridas por aplicativo acabou ficando com uma margem relativamente baixa. As empresas do setor vêm tentando diversificar seus modelos de negócio. Olhando de fora, o que eu vejo é essas empresas tentando aproveitar suas bases de clientes para criar modelos alternativos de receita e conseguir resultados melhores. Acho difícil elas se viabilizarem e darem o retorno exclusivamente com o modelo inicial”, opina.

Sobre as demissões, a 99 informou que fez “avaliações extensas” da “alocação de recursos em todas as linhas de negócio”. “Tomamos a difícil decisão de conduzir uma reorganização interna. Infelizmente, tivemos que nos despedir de um grupo de funcionários, aos quais somos extremamente gratos por suas contribuições”, diz a empresa.

Em nota enviada ao Metrópoles, a Loft informou que, em dezembro de 2022, concluiu a etapa da integração da companhia com suas empresas adquiridas, o que resultou na “reestruturação da sua operação”.

“Os diversos processos entre a plataforma Loft e as empresas adquiridas foram simplificados, gerando uma experiência mais integrada e aumento da eficiência operacional”, afirma a Loft. Segundo a companhia, 2023 “começou com crescimento do negócio” e “o total de imóveis listados na plataforma atingiu novo recorde, de 130 mil anúncios”.

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