Como o governo Lula e o PT estão “surfando” na crise da Americanas

Lula, Fernando Haddad, Aloizio Mercadante e Gleisi Hoffmann são alguns dos expoentes petistas que têm endurecido o discurso sobre varejista

atualizado 19/02/2023 19:27

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Lula discursa em festa do PT Igo Estrela/Metrópoles

A crise da Americanas, que entrou em recuperação judicial e está afundada em dívidas estimadas em R$ 42,5 bilhões com quase 10 mil credores, parece não ter sensibilizado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Até o momento, o governo federal diz não ter planos para salvar uma das maiores redes de varejo do país, que conta com 1,8 mil pontos de venda e 45 mil funcionários – o número vai a quase 100 mil quando considerados colaboradores diretos e indiretos.

Engana-se, no entanto, quem imagina que a derrocada da Americanas passou despercebida pelo atual governo. Apesar de não oferecer soluções concretas para a companhia, o que está longe de ser sua obrigação, diga-se, o presidente da República, alguns de seus principais ministros e importantes lideranças do PT têm se manifestado de forma contundente sobre a crise na empresa.

Em discursos, pronunciamentos, entrevistas e até mesmo nas redes sociais, o caso Americanas se transformou em um elemento recorrente da retórica política utilizada pelo grupo que hoje comanda o país.

No dia 2 de fevereiro, em entrevista à RedeTV!, Lula classificou o rombo contábil bilionário não registrado nos balanços financeiros da Americanas como uma “motociata” fiscal e comparou o empresário Jorge Paulo Lemann, um dos acionistas de referências da varejista, a Eike Batista – que fez fortuna no ramo de petróleo, mineração e energia e acabou condenado e preso pelos crimes de manipulação de mercado de capitais e uso de informação privilegiada.

“Não é nem pedalada, foi uma motociata… Esse Lemann era vendido como o suprassumo de empresário bem-sucedido no planeta Terra. Ele era o cara que financiava jovens para estudar em Harvard. Era um cara que falava contra a corrupção todo dia. E depois ele comete uma fraude que pode chegar a R$ 40 bilhões”, disse Lula. “É o que aconteceu com o Eike Batista. As pessoas vendem uma ideia do que elas não são, na verdade.”

O mercado, sempre ele…

Ao comentar a situação delicada da Americanas, o presidente não perdeu a oportunidade de atacar o mercado financeiro, uma de suas especialidades quando está no palanque. “O que me deixa chateado é o seguinte: qualquer palavra que você fale sobre a área social deixa o mercado nervoso. O mercado fica muito irritado. E agora um deles joga fora R$ 40 bilhões de uma empresa que parecia ser a empresa mais saudável do planeta e esse mercado não fala nada, ele fica em silêncio”, complementou Lula.

A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, já havia seguido a mesma trilha do chefe do partido ao comentar o episódio em uma mensagem publicada em sua conta no Twitter no dia 18 de janeiro. “Essa fraude da Americanas, onde sumiram com mais de 20 bilhões, quase daria para pagar uma Eletrobras em dias de liquidação, como assistimos recentemente. Depois dizem que o Estado é ônus e mercado, bônus”, escreveu Gleisi.

Como o Metrópoles mostrou em reportagem publicada em janeiro deste ano, a virulência de Lula e do PT contra o mercado financeiro, seja fruto de simples desconhecimento ou cálculo político, não está amparada na realidade. Demonizado pelo chefe do Executivo, o mercado é o conjunto de investidores – do pequeno poupador ao “tubarão” da Bolsa – que decidem seus investimentos com base nas informações que recebem.

No caso da Americanas, ao contrário do que disse Lula, a reação do mercado foi imediata e passou longe do “silêncio”. Em meados de janeiro, as ações da empresa derreteram quase 50% em um único dia, passando a valer menos de R$ 1. Na última semana, impulsionados pela notícia de uma possível injeção de capital de até R$ 7 bilhões por parte do trio de acionistas de referência (além de Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira), os papéis da companhia esboçaram uma recuperação.

“O mercado se manifesta no preço. Se o pacote fiscal não é crível, isso vai aparecer no preço, nos juros futuros, no câmbio, na depreciação de títulos. E se há um problema em uma empresa ou em um setor específico, isso também vai aparecer no preço, seja da própria Americanas ou de outras empresas de varejo. É assim que o mercado se comporta, é assim que ele fala”, explica Benito Salomão, doutor em economia pelo PPGE-UFU, em entrevista ao Metrópoles.

“Agora, o Lula sabe disso. Nesse caso, é muita narrativa política. O que eles querem, na verdade, é encontrar um bode expiatório para poder implementar suas políticas sem nenhum tipo de resistência”, completa.

“Fraude”

Além de Lula, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, manifestou-se em termos duros sobre a crise da Americanas, mesmo sem citar diretamente a empresa, seus diretores ou acionistas de referência. Na quarta-feira (15/2), ao participar de uma conferência promovida pelo BTG Pactual, Haddad falou em “fraude” ao comentar o rombo contábil da varejista.

“O André (Esteves, sócio do BTG, um dos bancos credores da Americanas) um dia falou para mim assim: ‘estou com um problema microeconômico’. Eu disse: ‘não, nós estamos com um problema macroeconômico porque é 0,5% do PIB”, afirmou o ministro. “Esse caso da Americanas, por exemplo, gerou um estresse. Um cara que dá um tombo de 0,5% do PIB com 16 mil credores. E nós estamos aguardando um pronunciamento até agora… Tem que ter uma solução.”

Segundo Haddad, a dívida não lançada no balanço da Americanas “veio à tona por causa da taxa de juros”. “Você poderia rolar mais 3 ou 4 anos aquela bagunça lá. Em algum momento se perceberia. De repente, a taxa sobe de 2% para quase 14% e o corpo boia, o cadáver que estava lá no fundo mar sobe e aí fica tudo exposto. Agora foi um problema de fraude, mas e daqui a 1 mês, 2 meses, 6 meses? Será que aquele que se comportou bonitinho, que pagou seus fornecedores, que registrou suas dívidas, vai suportar isso?”, concluiu.

“Não seremos hospital de empresa”

Outro petista histórico, Aloizio Mercadante, atual presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que foi coordenador do programa de governo de Lula na campanha do ano passado, fechou as portas da instituição à Americanas. No mesmo dia em que Haddad falava em “fraude” no seminário do BTG, Mercadante descartava a possibilidade de ofertar condições especiais de crédito para a companhia.

“Os sócios de referência têm capital para salvar a empresa. Não seremos hospital de empresa. Os indícios de fraude são muito grandes”, afirmou o presidente do BNDES. “Compete à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e ao Banco Central avaliarem com rigor o que aconteceu. Os sócios principais têm volume de capital bastante expressivo para salvar a empresa e, sobretudo, proteger os fundos de investimento, os 40 mil trabalhadores e as micro e pequenas empresas que são fornecedoras.”

O petista salientou que o BNDES executou a cobrança das fianças bancárias da varejista no valor de R$ 1,17 bilhão e não possui “nem R$ 1 em risco”. “Não há possibilidade de tratar da crise da Americanas. O que tínhamos de fazer, nós já fizemos. Executamos a fiança e recuperamos nosso capital.”

Mercadante ponderou, no entanto, que os fornecedores “não têm nenhuma responsabilidade pela crise da Americanas”, “foram vítimas” e podem ser beneficiados com uma linha de financiamento com juros menores do que os praticados normalmente pelo BNDES.

Procurada pela reportagem do Metrópoles, a Americanas, por meio de sua assessoria de imprensa, preferiu não comentar as declarações dos integrantes do governo e do PT. Em um anúncio de página inteira publicado em alguns dos principais jornais e do país no dia 11 de fevereiro, a varejista afirma que “as lojas seguem abertas e com prateleiras cheias” e que a empresa se prepara para as vendas na Páscoa.

“Quero reafirmar aqui um compromisso que já assumimos em outras oportunidades: salários, benefícios e direitos são a prioridade da administração. Tudo segue – e seguirá – exatamente como está contratado. Os sindicatos que representam nossa gente estão sendo informados de cada passo à medida que decisões são tomadas. Manteremos esse diálogo franco”, escreveu o então CEO interino da companhia, João Guerra. Dias depois, a Americanas anunciou a nomeação de Leonardo Coelho Pereira como seu novo diretor-presidente.

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Lojas Americanas na Rua Doze de Outubro, em São Paulo

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Movimento em frente às Lojas Americanas em São Paulo

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Dentro da loja, itens escolares aparecem em destaque

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Movimento de clientes dentro da unidade da Americanas na Rua Doze de Outubro, em São Paulo

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Americanas diz que vendas seguem normais

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Produtos à venda em loja da Americanas em São Paulo

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Entre os mais procurados, chocolates e biscoitos

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Funcionamento da loja segue normal, diz Americanas

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Brinquedos à venda para a criançada

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Americanas tenta seguir em frente nas vendas, em meio a crise

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