Primeira indígena a se formar no sistema de cotas volta à UnB com filhas matriculadas

Há 20 anos, sistema de cotas raciais na UnB foi aprovado. Amazonir foi a 1ª indígena a se formar com o modelo

atualizado 05/06/2023 7:15

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Amazonir Araújo Fulni-ô, 42 anos, foi a primeira indígena do país a se formar pelo sistema de cotas. Ela se graduou em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela Universidade de Brasília (UnB).

Quase 20 anos depois de entrar pela primeira vez na instituição de ensino superior, ela retorna fazendo o mestrado em antropologia, também na UnB. Assim como ela, as duas filhas da indígena também estão matriculadas na universidade pelo sistema de cotas.

A UnB foi a pioneira em elaborar uma política pública afirmativa, voltada à inclusão de minorias no ensino superior. O Plano de Metas para Integração Social, Étnica e Racial foi aprovado em 6 de junho de 2003, e estabelecia 20% das vagas do vestibular para candidatos negros, além de prever a disponibilização de vagas para indígenas de acordo com demanda específica. A medida entrou em vigência no ano seguinte.

As duas décadas da política fizeram a diferença na vida de Amazonir. “Quando eu cheguei a Brasília para estudar eu não sabia nem ligar o computador”, lembra. A jornalista explica que queria muito continuar estudando e a vaga na UnB permitiu que seguisse com seu sonho.

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Há 20 anos que Amazonir se dedica aos estudos

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Amazonir foi a primeira indígena a se formar no país pela política de cotas

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Amazonir com os três filhos em momento de lazer

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Indígena comemorando o dia das mães com os três filhos

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Saory repete os passo da mãe e estuda ciências sociais na UnB

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“Essa ação afirmativa é muito importante para nós, minorias, sem ela seria impossível disputarmos uma vaga nas universidades e conseguir resultado positivo, nosso ensino nas aldeias ou município locais são bastante fraco se comparado ao ensino das grandes cidades, cujos já são específicos para preparar o aluno para as Universidades”, defende.

Além do mestrado, Amazonir se prepara para fazer o doutorado. Ela também trabalha com fotografias e tem trabalhado na revisão de um livro de psicologia da religião, que deve ser publicado no fim do ano.

Hoje com facilidade para escrever e para dominar diversos tipos textuais, Amazonir recorda que não era assim. “Lembro que me pediram para escrever um texto sobre a minha vida, como um teste, mas eu não tinha muita técnica de modelo textual. Então, escrevi um cordel. Me disseram que quem escreve um cordel escreve qualquer coisa, e que eu aprenderia os outros tipos de texto.”

Apesar das dificuldades no início, Amazonir conta que se debruçava no que era passado em sala de aula. “Eu me cobrava muito, porque eu sabia o quanto era difícil e que, se a gente não desse certo, dificultaria mais para os próximos”, conta.

Filhas seguem os passos da mãe

Quando Amazonir começou a faculdade, aos 23 anos, ela já tinha duas filhas e uma com sete anos. “Na minha aldeia a gente se casava muito cedo”. Hoje aquelas duas crianças são jovens que estão também matriculadas na Universidade de Brasília, seguindo os passos da mãe.

“Minha mãe foi bastante fluente nessa decisão de estudar na UnB, porque eu senti a curiosidade de saber como era o estudo na universidade e também por ter visto minha mãe lutar para continuar para permanecer na universidade”, declara Saory Txheska Araújo, 22, filha de Amazonir.

Saory estuda ciências sociais desde 2019 e pretende se especializar em sociologia para levar o conhecimento de volta à aldeia indígena Fulni-ô.  “Minha expectativa é fazer uma dupla habilitação.

Eu ainda não tenho uma direção certa do que eu quero seguir. Eu estou pensando ainda na possibilidade de ensino da sociologia, de ser professora na comunidade e também de atuar como na na área da antropologia”.

A filha mais velha, Jarceli Ferraz, 26, também conta que a mãe foi uma inspiração. “Diante de  toda dificuldade, de ter duas filhas pequenas, um casamento, ela lutou para continuar e permanecer estudando. Jarceli faz artes cênicas na Universidade de Brasília e começou em 2020, durante a pandemia.

“Acho que de ter visto e acompanhado a trajetória da minha mãe, me deu uma certa curiosidade e vontade”, conta Jarceli. Ela também admite ter tido dificuldade no início da graduação. “Eu nunca tinha tido contato com o teatro antes, a minha vontade de fazer o curso era por leituras que eu fazia, peças que assistia no YouTube e era uma coisa que me chamava muito a atenção”, explica.

“Eu vejo que na minha comunidade existe vários artistas, e queria muito que eles tivessem essa oportunidade e experiência que estou tendo”, conta a estudante indígena.

A professora da Faculdade Comunicação Dione Moura foi a relatora do Processo de Implementação das Ações Afirmativas, que incluiu negros e indígenas dentro da Universidade de Brasília há 20 anos. “Hoje, o projeto é um sucesso enquanto política pública”, defende a professora.

Dione Moura foi relatora do projeto de políticas afirmativas e observa o resultado 20 anos depois: “grande sucesso”

De acordo com dados da Universidade de Brasília, desde 2004, 6.874 alunos se formaram via cota racial e 13.354 alunos ainda estão ativos na graduação. Para ela, a sociedade atual já reconhece a importância do sistema de cotas. “Hoje já não se questiona mais a existência de racismo, as políticas afirmativas já mostram a importância para a sociedade”, defende a professora.

Ela lembra que foi um desafio elaborar o protocolo que seria o primeiro edital com cotas. “Nós fizemos inúmeras reuniões e com todas as áreas possíveis. Fomos sabatinados no congresso, participamos de audiências com procuradores. O plano era criar um modelo que tivesse todo o respaldo constitucional possível porque dali sabíamos que viriam os outros para o país”. Em 2012, o modelo de cotas passou a ser obrigatório no país pela Lei Federal nº 12.711.

“Para elaborar esse debate, tivemos representantes de conselhos de pesquisadores e professores, tivemos representantes do movimento estudantil”, enumera. De acordo com a professora, vários estudos foram feitos para embasar. “A gente analisava a nota do aluno que ficava em primeiro lugar no vestibular e o que ficava em último, por exemplo, depois a gente acompanhava o rendimento e percebemos mais de uma vez que a nota do vestibular não significava um desempenho melhor”.

A professora ainda destaca que o resultado das ações de políticas públicas aparecem com o decorrer dos anos. “Uma pessoa demora em média de quatro a sete anos para se formar, dependendo do curso, depois disso ela passa 30 anos exercendo a profissão e devolvendo à sociedade o que ela aprendeu. Pode parecer um tempo longo, 20 anos de políticas de cotas, mas na verdade, agora estamos tendo os primeiros resultados”, conclui.

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