Major da PMDF que espancou esposa integrará programa sobre violência doméstica

Major Eduardo foi preso por agredir, ameaçar e cuspir na esposa. Ele chegou a ser detido, mas recebeu liberdade provisória da Justiça

atualizado 31/03/2023 16:13

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Major da PMDF Eduardo Coelho. Ele espancou e cuspiu na própria esposa Reprodução/ Instagram

O major da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) preso por agredir, injuriar, ameaçar e cuspir na própria esposa dentro da residência onde morava o casal, em Ceilândia, permanece na corporação e foi apresentado ao “programa Refletir da Secretaria de Segurança Pública do DF” (SSP). A informação foi confirmada ao Metrópoles pela própria PMDF.

De acordo com a secretaria, a iniciativa “trata-se de um grupo reflexivo composto exclusivamente por profissionais da segurança pública do DF que respondem ou responderam a processo judicial e/ou administrativo à luz da Lei Maria da Penha”. Ou seja, é uma espécie de programa direcionado a policiais que agrediram suas parceiras ou familiares.

Como uma forma de “punição”, Eduardo Ferreira Coelho, 42 anos, foi “apresentado ao programa Refletir” e encontra-se, atualmente, na “área administrativa da instituição”.

Em 18 de março, data do crime, o major teria espancado e sufocado a companheira com um travesseiro. Além disso, sabendo que a vítima estaria se recuperando de uma cirurgia na coluna, sentou no quadril dela e passou a golpeá-la, bem como a cuspir em seu rosto. A mulher chegou a gritar pedindo para cessar as agressões, mas Eduardo passou a pular sobre a coluna dela “provocando muito mais dor”.

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Eduardo Ferreira Coelho, 42 anos, major da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) preso por agredir, injuriar, ameaçar e cuspir na própria esposa

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O caso aconteceu na residência onde morava o casal, em Ceilândia, em 18 de março

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Eduardo coelho recebeu liberdade provisória na audiência de custódia e segue na PMDF

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Segundo a pasta, o programa “é realizado anualmente, por meio de quatro ciclos de oito encontros, sendo um encontro por semana, com duração de 2 horas cada”. Nessas aulas “são trabalhados temas como autorresponsabilização, masculinidades, habilidades relacionais, gênero e violência”. Conforme relatou a secretaria, os integrantes do grupo são encaminhados pelo Poder Judiciário e pelas Corregedorias das forças de segurança do DF, conforme cronograma anual.

A reportagem apurou que, curiosamente, em 2016, Eduardo Coelho escreveu um artigo contra a violência doméstica. No documento, o militar concluiu que o combate ao crime requer uma rede cuja atuação não seja seletiva, discricionária e que seja passível de responsabilização. Sete anos depois, contrariando os próprios argumentos, o major foi detido em flagrante pela Delegacia Especial de Atendimento à Mulher II (Deam) por espancar a companheira.

O ataque foi presenciado pela filha do casal, de 2 anos. Enquanto a criança tentava entender o que estava acontecendo, o PM teria dito a ela que a esposa “havia feito algo muito feio” e que “mulher que faz coisa feia merece apanhar”. Ao mesmo tempo que falava com a bebê, o major continuava as agressões contra a companheira.

Em certo momento, segundo o documento ao qual o Metrópoles teve acesso, o policial teria ameaçado matar a companheira, bem como o filho e o ex-marido dela. O homem teria, também, tentado quebrar os dedos da mão da esposa. Por conta da dor, a mulher passou a gritar desesperadamente, e, para conter o barulho, Eduardo pressionou um travesseiro contra o rosto dela, a sufocando.

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O nome da lei homenageia Maria da Penha, mulher que sofreu tentativa de feminicídio, em 1983, que a deixou paraplégica. O caso ganhou repercussão internacional e foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA)

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À época, a OEA responsabilizou o Brasil e o acusou de omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres. Além disso, a entidade recomendou que o governo não só punisse o agressor de Maria, como prosseguisse com uma reforma para evitar que casos como esse voltassem a ocorrer

Hugo Barreto/Metrópoles
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Em 2002, diante da negligência do Estado, ONGs feministas elaboraram a primeira versão de uma lei de combate à violência doméstica contra a mulher. Somente em 2006, no entanto, a Câmara e o Senado discutiram sobre o caso e aprovaram o texto sobre o crime

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Em 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) foi sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com 46 artigos distribuídos em sete títulos, a legislação visa coibir a violência doméstica contra a mulher, em conformidade com a Constituição Federal

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A lei entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006, e o primeiro caso de prisão com base nas novas normas foi a de um homem que tentou estrangular a esposa, no Rio de Janeiro

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A Lei Maria da Penha altera o Código Penal e determina que agressores de mulheres não possam mais ser punidos com penas alternativas, como era usual. O dispositivo legal aumenta o tempo máximo de detenção, de 1 para 3 anos, e estabelece ainda medidas, como a proibição da proximidade com a mulher agredida e os filhos

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No entanto, foi somente em 2012 que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a constitucionalidade dessa lei

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Bater em alguém é crime no Brasil desde 1940. Contudo, a Lei Maria da Penha foi criada para olhar com mais rigor para casos que têm mulheres como vítima, na esfera afetiva, familiar e doméstica

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Em outras palavras, a aplicação da Lei Maria da Penha acontece dentro do conceito de vínculo afetivo. O(a) agressor(a) não necessariamente precisa ter relação amorosa com a vítima, já que a lei também se aplica a sogro, sogra, padrasto, madrasta, cunhado, cunhada, filho, filha ou agregados, desde que a vítima seja mulher

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Além disso, não importa se o agressor deixou ou não marcas físicas; um tapa ou até mesmo um beliscão é suficiente para que a ocorrência seja registrada

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Segundo o advogado Newton Valeriano, “não é necessário ter testemunhas”. “Esse tipo de violência ocorre, principalmente, quando não há pessoas por perto. Portanto, a palavra da vítima é o que vale para começar uma investigação. Além disso, o boletim de ocorrência e a medida protetiva não podem ser negados”, disse o especialista

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Apesar do que muitos pensam, a agressão física contra a mulher não é o único tipo de violência que se enquadra na legislação. O artigo 7º da Lei Maria da Penha enumera os crimes tipificados pela norma: violência psicológica, sexual, patrimonial ou moral

iweta0077/istock
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Caracteriza-se como violência psicológica qualquer conduta que cause dano emocional e que vise controlar decisões. Além disso, ameaças, constrangimento, humilhação, chantagem, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação

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Caracteriza-se como violência sexual qualquer conduta: que constranja a mulher a presenciar ou participar de relações sexuais não desejadas; que a induza a usar a sexualidade; que a impeça de utilizar contraceptivos; que force uma gravidez ou um aborto; e que limite ou anule o exercício de direitos sexuais e reprodutivos

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Já a violência patrimonial é entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores, direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer necessidades

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Violência moral é considerada qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria

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Há alguns anos, debates sobre a inclusão de mulheres transexuais na Lei Maria da Penha influenciaram decisões judiciais que garantiram medidas protetivas a elas. Sentenças dos Tribunais de Justiça do Distrito Federal, de Santa Catarina e de Anápolis abriram precedentes para a discussão

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Apesar disso, nas vezes em que foram incluídas, as mulheres trans precisavam ter passado pela cirurgia de redesignação ou alterado o registro civil

Hugo Barreto/ Metrópoles
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No início de abril de 2022, no entanto, o STJ concedeu, por unanimidade, medidas protetivas por meio da Lei Maria da Penha para uma mulher transexual. Por ser a primeira vez que uma decisão nesse sentido foi tomada por um tribunal superior, a determinação poderá servir de base para que outros processos na Justiça utilizem o mesmo entendimento

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A denúncia

A confusão começou após o militar se desentender com a esposa, por ela ter enviado uma mensagem para o ex-marido – pai do primogênito dela, de 9 anos, – agradecendo um celular que ele teria dado ao filho. Irritado, Eduardo passou a espancar a mulher.

Para dar fim às agressões, a vítima pedia “perdão e dizia que não denunciaria” o major. Nesse momento, o homem pegou o celular da esposa e a obrigou a mandar uma mensagem ao ex-companheiro, o chamando de “corno” e declarando que o presente [o aparelho celular da criança], na verdade, teria “sido pago por Eduardo”, uma vez que o militar “pagava todas as despesas do menino”.

Conforme o relato, após o envio do texto, o policial “parou de bater na esposa, tomou o celular dela e foi ao banheiro”. Aproveitando o momento, a mulher pegou a filha, entrou em um carro e dirigiu-se à Delegacia da Mulher.

Na unidade policial, a vítima relatou o que teria acontecido, fez exame de corpo de delito, e pediu que o ex-marido encaminha-se às autoridades as mensagens enviadas do aparelho dela para o dele.

Após a denúncia, Eduardo foi preso e levado à delegacia, onde negou as agressões e disse que a mulher se autoagrediu. Segundo ele, a confusão teve início por conta de ciúme. Ele confessou ter exigido que a mulher gravasse mensagem chamando o ex-marido de “corno”.

O policial contou, ainda, que na casa onde mora o casal há câmeras de segurança, porém, elas “não estavam gravando no momento” em que a violência ocorreu.

Ao Metrópoles a defesa de Eduardo Ferreira Coelho disse que não se manifestará sobre o ocorrido “em respeito aos direitos fundamentais dos envolvidos”. A vítima também foi procurada pela reportagem, mas, por medo, não quis comentar o caso.

Solto na audiência de custódia

Eduardo Ferreira passou por audiência de custódia em 19 de março. Na ocasião, recebeu liberdade provisória, sem fiança. A juíza Acácia Regina Soares de Sá afirmou, na sentença, que o caso não tem “exacerbada gravidade”. “Não há nos autos elementos que demonstrem exacerbada gravidade da conduta a ponto de justificar a manutenção da segregação cautelar do autuado, uma vez que necessita ser melhor instruído no juízo de origem em especial pela capitulação realizada pela delegacia”, declarou a magistrada.

“Entretanto, o caso é, sim, de fixação de medidas cautelares diversas da prisão. Além de deferimento das medidas protetivas requeridas, de modo a garantir a vinculação do autuado a eventual futura ação penal, bem como garantir as integridades física e psíquica da requerente neste momento em que, pelo que parece, o relacionamento entre os dois encontra-se com certa animosidade”, finalizou.

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A violência contra a mulher é qualquer ação ou conduta que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico a ela, tanto no âmbito público como no privado

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Esse tipo de agressão pode ocorrer de diferentes formas: física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral

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A violência psicológica caracteriza-se por qualquer conduta que cause dano emocional, como chantagem, insulto ou humilhação

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Já a violência sexual é aquela em que a vítima é obrigada a manter ou presenciar relação sexual não consensual. O impedimento de uso de métodos contraceptivos e imposição de aborto, matrimônio ou prostituição também são violências desse tipo

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A violência patrimonial diz respeito à retenção, subtração, destruição parcial ou total dos bens ou recursos da mulher. Acusação de traição, invasão de propriedade e xingamentos são exemplos de violência moral

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A violência pode ocorrer no âmbito doméstico, familiar e em qualquer relação íntima de afeto. Toda mulher que seja vítima de agressão deve ser protegida pela lei

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Segundo a Secretaria da Mulher, a cada 2 segundos uma mulher é vítima de violência no Brasil. A pasta orienta que ameaças, violência, abuso sexual e confinamento devem ser denunciados

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A denúncia de violência contra a mulher pode ser feita pelo 190 da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), na Central de Atendimento da Mulher pelo 180 ou na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), que funciona 24 horas

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O aplicativo Proteja-se também é um meio de denúncia. Nele, a pessoa poderá ser atendida por meio de um chat ou em libras. É possível incluir fotos e vídeos à denúncia

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A Campanha Sinal Vermelho é outra forma de denunciar uma situação de violência sem precisar usar palavras. A vítima pode ir a uma farmácia ou supermercado participante da ação e mostrar um X vermelho desenhado em uma das suas mãos ou em um papel

Rafaela Felicciano/Metrópoles
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Representantes ou entidades representativas de farmácias, condomínios, supermercados e hotéis em todo DF que quiserem aderir à campanha devem enviar um e-mail para sinalvermelho@mulher.df.gov.br

Paulo H. Carvalho/Agência Brasília
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Os centros especializados de Atendimento às Mulheres (Ceams) oferecem acolhimento e acompanhamento multidisciplinar. Os serviços podem ser solicitados por meio de cadastro no Agenda DF

Agência Brasília
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Os núcleos de Atendimento à Família e aos Autores de Violência Doméstica (Nafavds) oferecem acompanhamento psicossocial às pessoas envolvidas em situação de violência doméstica e familiar. O Nafavd recebe encaminhamentos pela Justiça ou Ministério Público. Os autores de violência podem solicitar atendimento sem encaminhamento

Agência Brasília
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A campanha Mulher, Você não Está Só foi criada para atendimento, acolhimento e proteção às mulheres em situação de violência que pode ter sido consequência, ou simplesmente agravada, pelo isolamento resultante da pandemia. Basta ligar para 61 994-150-635

Hugo Barreto/Metrópoles

Outras agressões

Metrópoles apurou que esta não foi a primeira vez que o militar agrediu a vítima. Em outra ocasião, o major a teria empurrado de um carro em movimento e apontado uma arma para a cabeça dela.

Em abril de 2022, a vítima registrou o primeiro boletim de ocorrência contra o policial. No entanto, por ser impedida por ele de trabalhar, a mulher passou a depender financeiramente do PM. O fato de não conseguir sustentar a si mesma e aos filhos, portanto, a impediu de quebrar o ciclo de violência.

O suspeito, inclusive, segundo o boletim, “obrigava a esposa a entregar a ele o dinheiro da pensão do primogênito dela” e ameaçava deixar de “ajudá-la caso ela o denunciasse”.

Certa vez, Eduardo agrediu o enteado e, na ocasião, o pai da criança registrou ocorrência contra o militar. Após isso, a mulher teria rompido a relação e ido morar com a mãe. Contudo, conforme o relato, o major passou a procurá-la com frequência e os dois acabaram reatando.

À época, de acordo com o documento, o militar teria obrigado a esposa a gravar um vídeo informando que as acusações feitas por ela eram falsas, solicitando a revogação das medidas protetivas que tinha e pedindo o arquivamento do processo que corria na Justiça.

O que diz a PMDF

Procurada, a corporação disse, em nota, que “o acusado de violência doméstica foi conduzido à Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam). Após prestar depoimento, ele foi levado ao Batalhão Prisional e foi colocado em liberdade na Audiência de Custódia com as medidas necessárias”.

Ao ser indagada sobre os procedimentos adotados, porém, a PMDF não esclareceu o que seriam “as medidas necessárias”. Contudo, garantiu que o porte de arma de Eduardo foi suspenso e que a Corregedoria abriu investigação para apurar as ações do militar.

 

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