Chicote da fé: site se diz ligado à Igreja Católica e vende materiais para automutilação

Chicotes e cilícios – ganchos de ferro – são vendidos pela ideia de que castigos tornam as pessoas mais dignas ao olhar divino

atualizado 05/06/2023 10:31

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Imagens Código da Vinci/ Reprodução

Ganchos de ferro cravados na coxa de um fiel enquanto ele reza. Por fé, o religioso acredita que o castigo seria uma forma de aproximá-lo de Deus. Ao menos, essa é a mensagem passada por um site que se diz ligado à Igreja Católica e que vende materiais de autoflagelação para purificação dos pecados.

Nas redes sociais, o discurso é que o sofrimento torna as pessoas mais dignas do olhar divino. Os utensílios com os ferros curvados são chamados de cilício e custam em média R$ 250 cada. Assim como o instrumento, chicotes e cintos estão disponíveis para a compra com a mesma finalidade: “purgação” cristã.

“No início, comece usando por cinco minutos – até porque você não vai conseguir ficar mais tempo que isso”, alerta a instrução de uso do produto.

“Você poderá experimentar uma intensa união com Deus”, continua a propaganda publicada na internet. “Não recomendamos que use durante o sono, pois pode ferir a pele”, continuam as orientações.

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Chicotes da fé são vendidos como material de purificação

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Materiais de automutilação são usados nas coxas, nos braços e na cintura

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Site se diz ligado à Igreja e informa instruções de uso nas redes sociais

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O cilício – artefato com ganchos de arames – faz parte de kit antidemônio

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Imagens dos produtos usados

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Cilícios são usados em castigos físicos

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Cintura com largura de 7 centímetros

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Site explica como medir corpo para escolher o produto

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Instruções dos pontos do corpo indicados pelo apostolado

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Religiosos vendem também livro que ensina prática

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Cilício de trama rústica para estimular dor é vendido livremente

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Comentário de cliente de Brasília sobre o cilício

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Os produtos são feitos pelo Apostolado Ascetismo Cristão, que, apesar de se identificar como “ligados à Igreja”, não faze parte de nenhuma arquidiocese no país. Em um “kit anti-demônio” divulgado por eles, o cilício é um dos quatro principais cavaleiros da “proteção”.

Além da indumentária, água benta, rosário e jejum completam o combo. “É o cilício que nos faz santos, e não o contrário”, comenta uma mulher de Brasília, cliente do site de vendas. A fiel diz que “era insensível à dor do irmão” antes de passar pela automutilação.

“Por alguns minutos, eu o colocava e retirava na frente de todo mundo, sem cuidado (certamente para que todos vissem o quanto eu era piedosa, eu era hipócrita). E usando o cilício, aos poucos fui mudando. Passei a amar o próximo, a ver a dor do outro”, relata a cliente.

O site ainda vende um arquivo PDF com as instruções de uso e com as orações indicadas para o momento da sessão. O artifício pode ser colocado na cintura, na coxa ou no braço. Os cilícios têm diferentes tamanhos, podendo ultrapassar 100 cm de comprimento e 7 cm de largura.

Segundo o grupo do apostolado, há uma equipe religiosamente especializada para elaborar os itens. “Nossos produtos são feitos à mão e em clima de oração por uma pessoa extremamente fiel à Santa Igreja e à Santa Tradição escolhida depois de muita atenção.”. Eles ainda rechaçam vendas similares em outros sites de compra e venda.

“Nunca compre o produto em sites do tipo Mercado Livre. São produtos de sex shop”, alerta os beatos. Os modelos vão com presilha e tira de couro na intenção de afrouxar ou apertar.

O equipamento é controverso, já que é usado para castigar e há um incentivo ao uso por parte dos sites. Para o professor de direito penal e processo penal Thiago Machado, não há crime na venda do utensílio. “É um tema delicado porque envolve a liberdade religiosa, faz parte de um ritual religioso”, pontua.

“A automutilação não é crime. Crime é induzir tal prática. Mas ainda assim, nesse contexto, pode ser levado em consideração o fator da aceitação social com a prática.” Em casos de uma pessoa que use os instrumentos em outra pessoa e contra a vontade é possível ter algum enquadramento criminal. O uso também em crianças consideradas incapazes também pode haver consequências jurídicas.

De acordo com a fundadora do apostolado, Vânia Cavalcante, eles não incentivam o uso. “A pessoa quando nos procura já sabe que quer o produto”. Ela admite que os cilícios podem causar dor e provocar ferimentos, mas ressalta que o uso “ideal” é apenas até a sensação de incômodo. “O nosso propósito é levar a penitência. Acreditamos que é um caminho para encurtar a distância com Deus”, detalha.

Vânia também reconhece que há divergências dentro da própria Igreja quanto ao uso dos apetrechos. “Tem padre que gosta e outro que critica”. Para ela, parte das polêmicas se justifica pelo filme e livro O Código da Vinci, que mostrou um religioso ligado à Opus Dei usando o artifício.

Veja imagens de cenas do filme: 

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Filme Código da Vinci mostrou o uso dos instrumentos

Imagens Código da Vinci/ Reprodução
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Silas, interpretado por Paul William Bettany, tem na perna um cilício

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Instrumento fica preso à perna

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No filme, é possível ver marcas após o uso

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Em cena, Silas prende um novo cilício

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Instrumento de castigo pressiona a perna

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Silas, no filme, acredita que purifica a carne com o uso do equipamento

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Ele usa enquanto faz orações e pede benção

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O sofrimento é uma forma de chegar a Deus, segundo a crença

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Após o silício preso à perna, o "chicote da fé" é usado

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Silas, em cena, bate em si próprio com chibata

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Chibatadas são retratadas no filme como extremismo religioso

Imagens Código da Vinci/ Reprodução

Nas redes

O site adota táticas extremistas nas redes sociais. Em um dos posts, a fundadora do apostolado que organiza as vendas pede oração, jejum e uso do cilício após o exército russo invadir a Ucrânia. Em outra publicação, há foto de supostos padres empunhando armas e atirando, com características armamentistas. O grupo ainda critica a vacina contra a Covid-19. Postagens com o cunho político também foram feitas.

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Nas redes sociais, apostolado faz referência a grupos extremistas

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Fundadora da apostolado pede cilício e oração após invasão à Ucrânia

Site/Reprodução

O Metrópoles questionou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Arquidiocese de Brasília sobre a prática, mas não obteve resposta até a publicação deste texto. O espaço segue aberto para possíveis manifestações.

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