Brasilienses são pioneiros na importação da flor de cannabis para fim medicinal no país

Com autorização da Anvisa, o casal sócio de uma empresa uruguaia especializada no comércio de cannabis medicinal importou a flor para o ES

atualizado 28/05/2023 13:05

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Hugo Barreto/Metrópoles

Um casal brasiliense que mora no Uruguai tornou-se pioneiro na importação de flores de cannabis para uso medicinal no Brasil. Camila Salles, 29 anos, e Lucas Cançado, 38, são sócios de uma empresa especializada no comércio desse tipo de produto e, com autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), realizaram o primeiro envio da planta para território brasileiro, em 12 de maio.

Em 2018, os recém-formados geólogos pela Universidade de Brasília (UnB) decidiram se mudar para o Uruguai, com o objetivo de aprofundar os estudos a respeito do uso da cannabis para fins medicinais. Três anos depois, o casal teve a oportunidade de virar sócio da Meraki, situada na cidade de Lascano.

Os empresários já haviam obtido sucesso na exportação das flores para a Suíça, mas tinham um grande sonho de poder comercializar o produto para a terra natal deles. Porém, eles não esperavam que o processo seria tão burocrático, e demoraria mais de um ano.

Segundo o casal, a demora para concretizar o negócio se deu por inúmeras razões. A mais importante delas é o fator novidade; o processo burocrático de saída das flores para o Brasil não tinha antecedentes e, por isso, precisou ser construído. As regras de companhia aérea, por exemplo, foram alteradas para permitir o embarque desse tipo de material, até então restrito a extratos.

“Nem nossos outros sócios acreditaram que seria possível realizar a importação para o Brasil, por conta da dificuldade. Foi necessário educar as empresas envolvidas nesse transporte e instruí-las sobre isso. Em posse da flor, o paciente consegue fazer a inalação in natura da planta, com uma ação mais rápida do que se fosse por meio da ingestão do extrato”, detalha Lucas.

A primeira importação do produto natural para o Brasil foi para um paciente diagnosticado com ansiedade no Espírito Santo. “Os estudos demonstram que a inalação da flor é benéfica para tratar diversas condições, aliviando sintomas, tais como os de depressão e ansiedade em adultos”, destaca Camila.

O casal explica que as flores entram no país obedecendo às regras da Anvisa, como produto derivado de cannabis, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde.

“A Meraki oferece, hoje, duas opções de flores para o envio: a Fedtonic, que conta com 14% de canabidiol (CDB), e Stormy Daniels, que tem 19% de CBD em sua composição”, ressalta Lucas. Segundo o geólogo, outro aspecto que se destaca é o custo-benefício, que compensa mais do que o do extrato. “Hoje vendemos o grama por US$ 20”, diz.

Após terem êxito em concluir a primeira importação para o país, os empresários acreditam que o Brasil está dando os primeiros passos para uma maior abertura da comercialização da planta medicinal e esperam expandir as operações cada vez mais.

“Somos uma empresa comprometida com a saúde e o bem-estar de nossos clientes, então estamos animados com esse novo caminho que se abre entre os dois países. A indústria da cannabis uruguaia cresce, amadurece a cada dia e está mais pronta do que nunca para abastecer o mercado brasileiro. Estamos ansiosos para ver como as pessoas se beneficiarão dos nossos produtos”, afirmou Camila.

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Camila Salles, 29 anos, e Lucas Cançado, 38 anos

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O casal é sócio da empresa Meraki

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Os empresários comercializam flores de cannabis

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O produto é vendido para fins medicinais

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No tratamento médico, a flor é utilizada in natura

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Casal se mudou para o Uruguai para estudar a planta

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Neste mês, eles realizaram primeira importação da flor para o Brasil

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A planta é indicada para aliviar sintomas de ansiedade, depressão e quadros de convulsão, além de outros tratamentos

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Cannabis por inalação

O neurocientista e professor do Departamento de Ciências Fisiológicas (CFS) da UnB, Renato Malcher, explica que o pulmão é uma via muito importante de inalação de medicamentos, visto que o remédio age de maneira mais rápida com uma dose inferior ao que seria necessário para se obter o mesmo efeito caso fosse pela ingestão.

“A planta maconha pode ser vaporizada. Para isso, extrai-se o gás que contém os componentes medicinais por meio de um vaporizador, sem que haja combustão, o que gera fumaça. Quando esse vapor chega ao pulmão, ele vai direto para a corrente sanguínea. Por isso, o efeito é praticamente imediato”, esclarece o pesquisador.

De acordo com Renato, a inalação da cannabis pode ser uma aliada no tratamento de dores crônicas e na quimioterapia. “O efeito sobre a dor é instantâneo. A pessoa inala a flor uma vez, espera alguns segundos, e tem o efeito medicinal com o mínimo necessário”, detalha.

O pesquisador ressalta que a cannabis medicinal inibe processos inflamatórios e serve pra gerenciar qualquer sofrimento, seja ele por dor, enjoo, depressão ou ansiedade, além do manejo de epilepsias e convulsões.

“A criminalização do ‘barato’ da maconha é equivalente a dizer que qualquer alegria é pecado. O bem-estar psíquico é fundamental para o bem-estar fisiológico. Todo remédio com efeito psicológico positivo demanda algum cuidado com o abuso, mas é importante entender que se sentir bem não é ruim”, defende.

“Existem milhares de formas possíveis de tirar benefício dessa planta. O remédio que existe na planta tem diversos componentes além do canabidiol, que é o mais conhecido. É uma planta com muita variedade, com composições diferentes. Em países mais desenvolvidos, é mais comum que tenham acesso a todos os tipos de produtos médicos”, destaca Renato.

O professor da UnB acredita que o preconceito em relação ao uso da planta é uma barreira para a produção de medicamentos à base de cannabis no país. “No Brasil, quem está salvando o atraso são associações de pacientes que passaram a produzir seus próprios extratos, com ajuda de médicos, são verdadeiros revolucionários. A regulamentação que impede de plantar e que nos impõe produtos importados fabricados é um absurdo”, pontuou.

Autorizações de uso pela Anvisa

Desde 2015 até fevereiro deste ano, a Anvisa concedeu 7.306 autorizações de importação excepcional, exclusivamente para fins de uso pessoal, mediante prescrição médica, de cannabis medicinal para o Distrito Federal. Somente em 2022 foram 3.608 concessões.

A unidade federativa fica atrás apenas de Santa Catarina (7.508), Paraná (8.250), Minas Gerais (12.219), Rio de Janeiro (24.958) e São Paulo (57.698).

Atualmente, a Lei Antidrogas proíbe, em todo o território nacional, o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, com exceção para aquelas plantas de uso exclusivamente ritualístico religioso e no caso de fins medicinais e científicos.

O custo mensal para importação do óleo varia de R$ 1,5 mil a R$ 3 mil, e algumas famílias precisam recorrer à Justiça para conseguir o direito de cultivar a planta, para fabricação do próprio remédio.

Pacientes em tratamento

Gabriela Weschenfelder Ferreira, 15, nasceu com a síndrome de Aicardi, uma doença rara e congênita, que tem quadro convulsivos como uma de suas manifestações. Há cerca de sete anos, a adolescente trata os sintomas com o uso de medicamento à base de cannabis.

De acordo com a professora Leila Inês Weschenfelde, mãe da paciente, antes de começar o tratamento, Gabriela tinha mais de 20 episódios convulsivos por dia. “Ela já havia usado mais de cinco medicamentos farmacêuticos para convulsão, que não faziam mais efeito. Quando introduzimos o remédio da planta, vimos uma melhora significativa em menos de 15 dias”, conta.

Após iniciar o tratamento com a cannabis, a adolescente raramente tem crises, que agora são imperceptíveis. “Com o tratamento, percebemos que ela voltou a interagir, consegue socializar, tem controle do tronco. Observamos também que a imunidade dela está muito boa. Apesar da síndrome, ela é uma criança saudável”, acrescenta Leila.

A família de Gabriela possui autorização da Anvisa para importar o produto dos Estados Unidos. Por mês, eles desembolsam cerca de US$ 200 para manter o tratamento, que não pode ser interrompido.

Conheça a história de Gabriela: 

A professora aposentada Carla Alves*, 66, fez uso de extratos à base de cannabis durante o tratamento contra um câncer de mama, no ano passado. De acordo com ela, a substância tinha como finalidade amenizar os efeitos colaterais da quimioterapia.

Na época, ela comprou quatro frascos de remédios, cada um deles com um composto ativo diferente. “Durante as sessões de quimio, eu perdi quase 10 kg. Não conseguia ingerir comida. A boca trancava assim que eu olhava para o prato. Com a cannabis medicinal, eu passei a fazer cinco refeições por dia”, relembra Carla*.

A mulher, no entanto, conta que não buscou meios legais para conseguir a importação dos medicamentos. “Por conta da urgência e do valor, eu preferi fazer a compra clandestina. Além disso, não consegui a prescrição médica. Achava inviável pagar mais de R$ 2 mil”, explica.

Além de tratar a falta de apetite, os medicamentos também foram usados para amenizar o quadro de depressão da professora. “A eficácia foi surpreendente. Houve um efeito inacreditável durante o tratamento contra o câncer, mudou tudo”, relata.

*nome fictício

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