Com Bruna Lima, Edoardo Ghirotto, Eduardo Barretto e João Pedroso de Campos

Diretora do Zorra: Melhem “perdeu a mão” como chefe, mas foi alvo de inverdades

Diretora Alice Demier relata que nunca viu constrangimento no ambiente de trabalho, mas reprova comportamento de Melhem como chefe

atualizado 24/03/2023 14:49

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O ex-chefe do Núcleo de Humor da TV Globo Marcius Melhem errou no seu comportamento e não soube delimitar seu papel como chefe, mas foi vítima de “inverdades” nas acusações de assédio sexual, disse a diretora do Zorra Alice Demier, testemunha apontada por Melhem para falar em sua defesa, em entrevista à coluna.

Demier foi diretora do Zorra, programa de humor da Globo, de janeiro de 2017 a outubro de 2020, período em que trabalhou com Melhem. Ela relatou que o ambiente de trabalho era “muito feliz” e que, embora reprove o comportamento “permissivo” dele com a equipe, nunca percebeu constrangimento das mulheres que trabalhavam com ele.

“Não acho que o Marcius agiu de forma correta em toda a vida profissional dele, não. Muito pelo contrário. E não escondo isso dele em hora nenhuma. Acho que ele vacilou muito, porque, quando você assume um papel, um cargo da relevância que ele tem, algumas coisas você tem que parar de fazer”, afirma Alice Demier.

O contato com a diretora do Zorra foi feito por sugestão da defesa de Melhem, que também a indicou como testemunha no processo judicial a que responde por assédio. A coluna publica hoje a reportagem especial Caso Marcius Melhem: Elas Falam, ouvindo pela primeira vez mulheres que denunciaram o ex-chefe no núcleo de humor. Leia abaixo a entrevista com Demier.

Você foi apontada como testemunha pelo Marcius Melhem no processo?
Eu fui intimada a depor na delegacia, não sei como chama isso.

Em que período você trabalhou diretamente com ele?
Eu trabalhei no Zorra de janeiro de 2017 até o fim do programa em outubro de 2020.

Qual a sua percepção sobre o clima do ambiente de trabalho com o Marcius? Tem pessoas que relatam que se sentiam incomodadas, outras não.
Eu já tinha trabalhado com o Marcius entre 2011 e 2012 no Os Caras de Pau. Ele ainda não tinha o cargo de chefia que viria a ter. Então, eu acompanhei essa jornada do Marcius, esse crescimento dele, porque depois fui assistente de direção do Tá no Ar, que foi um projeto dele também de muito sucesso, e eu fiz desde a primeira temporada.

Nossos espaços de trabalho, de escritório, eram diferentes. Eu ficava no Projac. Mas eu tive bastante convivência com ele, logicamente. É muito difícil eu opinar sobre a acusação, porque não posso opinar sobre o que alguém está dizendo que viveu ou que sentiu. O que eu posso dizer é que eu fui muito feliz no Zorra e eu vivi num ambiente muito feliz. Éramos realmente uma turma muito feliz, unida, contente e alegre. Nunca vivenciei, nem antes do Zorra e nem no Zorra, nada que eu sentisse que estava saindo de uma esfera razoável de comportamento.

Eu fui uma das organizadoras da festa dos 100 episódios [em que Marcius Melhem teria assediado Dani Calabresa, segundo a comediante]. Foi uma festa que eu vivi muito de perto, eu organizei, planejei, tirei foto. E foi uma festa muito leve, divertida, alegre. Eu estava acompanhada, casada, mas em algum momento as pessoas estavam muito livres e soltas e muitos estavam se beijando, todo mundo se agarrando, de uma maneira que em momento nenhum me pareceu desagradável para ninguém.

Dentro dessa história toda, eu não posso opinar sobre como alguém se sentiu, se gerou dor, se foi ou não um assédio. Se houve toxicidade, se houve abuso. Não tenho. Mas na matéria da revista piauí [que revelou o caso], eu li muitas inverdades. É uma narrativa descrevendo aquela festa como se fosse um melodrama, e eu vivi uma festa completamente diferente.

Eu soube que tinha um problema entre a Dani e o Marcius quando teve uma leitura do primeiro episódio do Fora de Hora. Tinha um burburinho de fofoca sobre o que tinha acontecido, de que a Dani chorou. Ela dizia que o Marcius tinha roubado o projeto dela.

Esses discussões são normais num ambiente de trabalho, mas, na festa, você está relatando que tinha um clima de pegação na equipe, e no meio disso tinha o Marcius, que tinha um cargo de chefe. Isso não é estranho, não gera problema?
Eu acho que, falando de uma maneira genérica, eu acho que a resposta é sim. É estranho e não é correto. Eu, por exemplo, não acho que o Marcius agiu de forma correta em toda a vida profissional dele, não. Muito pelo contrário. E não escondo isso dele em hora nenhuma. Acho que ele vacilou muito, porque quando você assume um papel, um cargo da relevância que ele tem, algumas coisas você tem que parar de fazer.

Eu me tornei diretora e tive que mudar algumas coisas da minha postura nesse sentido. Quando eu era assistente de direção, “da galera”, se eu ficasse afim do cara da câmera, seria uma relação. Quando eu sou chefe dele, é uma relação diferente. Eu me sinto desconfortável e eu mudei, passei a ficar mais fechada. Acho natural, acho que isso é o correto. Não acho que seja correto o que ele fez.

Agora, não parecia estranho? A minha resposta é: para mim — e eu acho que para uma boa parte da equipe — não parecia estranho, porque aquilo já era a realidade para aquele grupo há muito tempo. O Marcius não foi um chefe que foi implementado dentro desse grupo, ele era parte do grupo desde que ele era ator, desde quando ele não mandava em ninguém.

Eu acho que o Marcius perdeu a mão ao não saber a hora que ele tinha que parar de se comportar como apenas um membro da galera, mas eu também sinto que não havia esse burburinho e nem esse comentário. Não tinha esse clima de as pessoas achando isso estranho. Eu acho que para esse grupo do Zorra, essa equipe, estava tudo dentro de uma normalidade que a gente já vivia.

Isso não isenta ele de uma responsabilidade grande sobre uma falha que ele comete, sim, ao ser chefe e continuar se comportando desse jeito. Não estou absolvendo nem passando pano nisso. Mas acho que está estranho. Existia uma zona cinzenta que é a seguinte: a partir do momento que você tem uma incoerência entre o cargo e as atitudes, você realmente entra numa esfera que você não tem como saber quem um dia beijou ele porque achou que tinha que [beijar]. Ou quem um dia se sentiu acuada a beijar. Sabe? Não tem como saber.

E realmente ele se ferrou muito por isso, porque saiu se permitindo a ter uma série de relações com pessoas que um dia, se quisessem dizer que não queriam, que “só fui porque ele era meu chefe”, o que a gente vai dizer? Então, não tem realmente como defendê-lo nesse lugar.

O que eu tenho para dizer é que essa festa era uma festa feliz, alegre. Não era uma festa que gerava incômodo, onde as pessoas estavam comentando o comportamento do Marcius. Não tinha isso. Estava todo mundo ou se pegando ou achando legal que as pessoas estavam se pegando, se divertindo com o fato de a festa ter virado uma pegação.

Eventualmente, a gente presenciava coisas, não necessariamente do Marcius, mas acho que, no geral, acho que todo mundo ali nesse grupo perdia esse tom do que era ambiente de trabalho, do que é certo e o que é errado. Porque era um grupo que fazia muita piada, piada de sentido sexual, muita gracinha, muito toque em corpo, coisas que hoje a gente enxerga de uma maneira já diferente. Mas esse grupo, como um todo, elenco, equipe, tinha isso como rotina. Um grande grupo de amigos, de certa forma um pouco permissivos.

Eu não tenho como dizer nunca para você que alguém não se sentiu abusada. O que eu posso te dizer é que eu não vivi num ambiente pesado. Eu trabalhei quatro anos dirigindo esse elenco e nunca nenhuma mulher chegou para mim para chorar de que tinha sofrido maus-tratos ou se sentido mal-tratada, nunca. E trabalhei em outros projetos na vida que tinham esse clima, como o Casseta & Planeta, que era um ambiente onde eu eventualmente tinha que contornar esse tipo de situação. Eu sofri um assédio sexual muitos anos atrás na Globo e fiz uma denúncia que foi mal recebida na época, porque ainda não existia esse movimento.

Então, eu não acho que sou uma pessoa que passa pano para isso, mas me coloco num lugar da Justiça, da verdade. E eu li um monte de coisas que eram inverdades, como a narrativa da festa. Tem uma parte [da reportagem da piauí] em que falam de uma gravação em que a Dani estava de maiô. Eu dirigi essa gravação, o Marcius não estava. Ele não estava presente.

Eu não tenho como dizer se alguém foi ou não abusada, se ele fez ou não coisas que podem ser consideradas um crime. Acho que tem uma coisa profissional que é nítido que é um erro, que pode ser um crime de assédio sexual, no sentido de ser um chefe que beija na boca de gente que é funcionário. Isso por si só já configura um crime? Eu não sei, mas entendo que está errado e pode ser interpretado em várias instâncias e pode ferrar a vida de alguém, com razão. Não é “ele não fez nada, tadinho”. Mas dali surgiu uma narrativa de “ele bota pessoas no canto”. Tinha um pouco disso. “Ele prende pessoas em cantos do Projac”. Veio uma narrativa de uma pessoa e de um ambiente extremamente tóxico e opressor que nunca existiu. Se ele um dia prendeu alguém num quarto, eu não posso dizer, mas eu não vivi isso.

Tem um episódio em que uma pessoa diz que jogou uma cópia do Código de Ética da Globo nele e disse, brincando, que era para ele aprender. Ou a cena da jacuzzi, em que a brincadeira na equipe é com a falta de compliance na Globo. Isso não mostra que existia uma percepção sobre um comportamento inadequado do Marcius?
Vou falar sobre minha opinião, mas eu acho que essa piada da jacuzzi e outras que eu ouvia nesse lugar não eram diretamente relacionadas ao Marcius. Ali naquela festa, por exemplo, a leitura que eu que convivia com aquele grupo tenho é de que todo mundo ali estava fugindo do Código de Ética porque todo mundo ali estava tendo uma relação um pouco mais íntima do que em teoria poderiam ter como profissionais numa mesma empresa, num mesmo programa.

Eu não presenciei essa cena do Código de Ética, mas eu presenciei algumas piadas em camarim ou em estúdio nessa vibe. “Vamos chamar o compliance.” E raramente tinha o Marcius presente, porque ele raramente estava presente no set. Tinha essa brincadeira de sermos todos permissivos mas não acho que tinha um clima de estranhamento ou fofoca de que o Marcius era um chefe (que fazia isso)… Era uma panelona de gente que estava fazendo coisa que não devia. Não que as pessoas estivessem sendo escrotas ou fazendo coisas ruins, mas estava todo mundo fugindo da regra profissional. É minha leitura.

Além da festa, em que o Marcius beijou a Dani, você já presenciou contato físico dele com atrizes no ambiente de trabalho, ou insinuações, piadas sexuais? Como a história de que ele teria esfregado o pênis em alguém?
Não, nem ele nem ninguém, nunca vi ninguém esfregar o pênis em alguém ou fazer algo mais grosseiro assim.

Mas e outros tipos de contato sexual?
Eu acho que tinha, da parte do grupo como um todo, uma camadinha extra de liberdade que se dava. Tinha uma galera que se abraçava mais às vezes, tinha uma galera que brincava com essa coisa de “tá gata”, “tá gostosa”. E aí, como eu te disse, como ele estava muito pouco no Projac, eu tenho essa memória de isso ser uma coisa mais comum, mas dificilmente é o Marcius que vem à mente nessas lembranças. Não que ele não possa ter estado em alguma situação dessas, mas certamente a minha lembrança maior é de outras pessoas, porque eram pessoas que eu convivia mais, com ele eu não convivia tanto.

E assim, só pra explicar. Eu não acho que ser um ambiente permissivo isente qualquer pessoa de responsabilidade. Ele, com o cargo que ele tinha, tinha que ter segurado a onda dele. Eu realmente acho isso. Mas acho também que tem uma narrativa que é distorcida. Ele pode estar todo errado, mas narrar isso dizendo que as pessoas choravam, se incomodavam, que era um clima difícil, não. Não tinha esse clima. Era um clima de bagunça geral. De alegria.

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