Lula terá que “desradicalizar” polícias para evitar novas crises na segurança

Ministro da Justiça do governo Lula, Flávio Dino tem buscado diálogo com policiais nos últimos meses, mas ataque a Brasília agravou o clima

atualizado 11/01/2023 7:20

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Luís Nova/Especial Metrópoles

As falhas de planejamento e operação das forças de segurança do Distrito Federal no último domingo (8/1), quando milhares de vândalos não tiveram dificuldades para invadir e depredar as sedes dos Três Poderes, escancararam um problema que foi fruto de preocupação de especialistas ao longo de todo o governo Bolsonaro: o uso político e ideológico das polícias.

Feito o estrago, as instituições estão respondendo com rigidez: apenas ontem foram decretadas, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), as prisões do ex-comandante da PM do DF coronel Fábio Augusto Vieira e do ex-secretário de Segurança da capital (e ex-ministro da Justiça de Bolsonaro) Anderson Torres. Antes, após os atos de vandalismo na Praça dos Três Poderes, o ministro Alexandre de Moraes já havia determinado o afastamento do governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), e o governo federal já havia decretado intervenção na segurança pública da capital.

A responsabilização de quem estava no comando de uma operação falha é vista como fundamental por especialistas ouvidos pelo Metrópoles, mas, ainda segundo eles, não é suficiente para resolver a questão da “radicalização” de agentes de segurança, que não é uma novidade.

Presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o sociólogo Renato Sérgio de Lima tem alertado há anos para a necessidade de uma reforma das polícias para torná-las menos vulneráveis ao uso político e à perda de controle. Ainda em junho de 2021, Lima disse, em entrevista ao Metrópoles, que a radicalização de policiais trazia um risco real de participação ou omissão das tropas em tentativas de ruptura institucional – como o que aconteceu em Brasília no último domingo.

O especialista vem defendendo reformas que modernizem as polícias Civil e Militar, resolvam distorções salariais para atender demandas legítimas dos servidores da área, aumentem o controle externo sobre as forças e evitem que as instituições se isolem e se rebelem frente às ordens dos gestores do Poder Executivo em âmbito estadual e federal.

Falando com a reportagem após a depredação de Brasília, Lima disse que caberá ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enfrentar o desafio que a gestão de Jair Bolsonaro (PL) não concluiu – enquanto o próprio ex-presidente agiu várias vezes para estimular o uso ideológico das forças de segurança.

“As polícias são comandadas a nível estadual, mas esse problema não é só dos governadores. O governo federal vai ter que enfrentar a questão da reforma das polícias, da desradicalização das forças”, pontua o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

A responsabilidade do governo federal precisa ser apurada – inclusive em relação ao que aconteceu em Brasília, afirma Lima. “A PM é do DF, mas as normas que ela segue são federais, e também cabe ao Executivo federal uma articulação com as esferas estadual e distrital. Além disso, era preciso ter existido um plano de contingência para o caso de o GDF falhar, como aconteceu. E me parece que não houve”, pondera.

Renato Sérgio de Lima afirma que o desafio da “desradicalização” das polícias diz respeito a garantir que elas cumpram suas missões (e as leis) independentemente da posição política dos policiais. “Preferências políticas e pessoais todos nós temos, mas ser polícia significa abrir mão da sua preferência pessoal e cumprir a lei”, frisa o especialista.

Flávio Dino faz acenos aos policiais: “Não importa o voto”

Ministro da Justiça e da Segurança Pública de Lula, o senador eleito Flávio Dino tem dado sinais, mesmo antes do ataque golpista a Brasília, que a radicalização das polícias é uma questão em seu radar.

Ainda na transição entre os governos, em novembro do ano passado, Dino se reuniu com comandantes e representantes de 23 estados e do DF e disse achar que havia canais abertos de diálogo. Ele negou qualquer má vontade dos eleitos em relação às polícias e ressaltou que “as pautas nacionais dos policiais militares terão apoio do novo governo. Vários comandantes falaram que não estavam comprometidos com questões ideológicas. Era tudo o que queríamos ouvir”.

“Creio que nós demos um passo muito importante [com a reunião]. Serviu inclusive para desfazer certas visões pré-concebidas”, completou.

Ao tomar posse no cargo, no segundo dia do ano, Dino discursou com sinalizações para os policiais: “Nós queremos que todos e todas policiais do nosso país considerem este ministério como seu, não importa o voto de ontem, ou voto de amanhã. O que importa é o cumprimento do dever funcional de acordo com os ditames da lei e da hierarquia e da disciplina”.

“Blindar as polícias do uso político-partidário”

Pesquisadora de segurança pública no Brasil e América Latina há mais de 30 anos, a professora Jacqueline Muniz defende que falta “institucionalidade” nas polícias brasileiras, o que facilita o uso das corporações para beneficiar o governo da vez.

“É fundamental blindar as polícias do uso político-partidário e da apropriação particularista por grupos de poder. É isso que em democracia se faz”, avaliou a cientista política da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Para Jacqueline Muniz, esse uso particularista das polícias resulta em problemas pequenos e grandes. Ela cita como exemplos o uso das polícias contra inimigos políticos, investigações suspensas por ter alvos poderosos e até na escolha de áreas nobres para concentrar mais policiamento.

“O Brasil está devendo esse dever de casa, que é institucionalizar as polícias, que têm baixa institucionalidade e são vulneráveis aos usos clientelistas e mandonistas que temos assistidos. E não começou com o bolsonarismo, ainda que ele tenha sido a expressão mais visível nos últimos tempos”, afirmou a pesquisadora.

Segundo a docente, essa blindagem do aparelhamento das polícias foi feita em reformas policiais nos Estados Unidos e na Inglaterra. Ela defende uma série de medidas com o objetivo de delimitar o emprego do uso da força e a autonomia decisória do policial militar.

Essas medidas, segundo a cientista política, são administrativas e procedimentais, e independem de mudanças na Constituição.

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