Indígenas levados da Amazônia para a Turquia por grupo islâmico voltam ao Brasil

Jovens indígenas estavam em dormitórios do grupo islâmico Süleymancılar. Investigação do Metrópoles virou pauta entre parlamentares turcos

atualizado 12/07/2023 9:23

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Vinícius Schmidt/Metrópoles

Após mais de um ano fora do país, jovens indígenas levados da Amazônia para a Turquia por um grupo islâmico retornaram ao Brasil na última semana. Eles chegaram no Aeroporto de Guarulhos (SP) na noite de quinta-feira (6/7). Parlamentares turcos de oposição criticaram a ação desse grupo e fizeram denúncias.

Reportagem do Metrópoles publicada em abril revelou a existência desse grupo que levava crianças e adolescentes indígenas de São Gabriel da Cachoeira (AM), fronteira entre a Colômbia e a Venezuela, para um internato improvisado em Manaus (AM). Isso acontece desde 2019.

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Indígena da etnia Desana lê o Alcorão em São Gabriel da Cachoeira (AM)

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Após certo tempo, com auxílio da organização, alguns indígenas emigram para a Turquia. Além de matricular os jovens indígenas em colégio público, a ASHAM oferece moradia, alimentação, aulas de turco e árabe e o estudo do Alcorão

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Celular de Osvaldo com foto de seu filho, Edney Cabral, 19, que foi levado para a Turquia, após período de internato na Asham

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Adolescente indígena estudava o alcorão na Amazônia

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Indígenas foram doutrinados e levados por grupo islâmico

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Abdulhakim Tokdemir, turco e muçulmano, é o fundador e líder da Asham

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Dezenas de crianças e adolescentes indígenas de diferentes etnias passaram uma temporada vivendo uma rotina religiosa nesse local, onde aprendiam árabe, turco, lições do alcorão e orações. O internato funcionava de forma ilegal e foi fechado pelas autoridades brasileiras em fevereiro deste ano.

Parte dos indígenas que ficaram nesse internato de Manaus foram levados para dormitórios religiosos na Turquia, nas cidades de Kütahya e Tarso. Cinco jovens indígenas e um não indígena passaram pelo território turco.

Mapa da Turquia cidades onde indígenas foram levados - Metrópoles

Pelo menos um deles, da etnia Tuyuka, deixou o Amazonas ainda menor de idade, em janeiro de 2021, com destino a Kütahya. Outros quatro indígenas das etnias Tukano e Pira-Tapuya foram levados para Tarso em junho de 2022.

A imprensa turca divulgou que todos os seis voltaram para o Brasil. Já fontes da Polícia Federal informaram que nem todos teriam retornado. A reportagem apurou que pelo menos quatro voltaram.

Grupo fechado

O grupo islâmico que doutrinava indígenas no Brasil é conhecido na Turquia como Süleymancılar (se pronuncia suleimanjilar).

Esse grupo é formado por seguidores de Süleyman Hilmi Tunahan, um lider islâmico que morreu em 1969. Entre as atividades religiosas no internato ilegal de Manaus, por exemplo, estava o momento de rezar pela alma de Süleyman Hilmi Tunahan.

Os integrantes do Süleymancılar possuem uma grande estrutura e influência na Turquia. Eles têm redes de escolas e hospitais, além de comandarem várias madrassas (dormitórios estudantis) em que ensinam religião para crianças e adolescentes. Os indígenas brasileiros ficaram alojados em pelo menos três dessas instituições.

Em uma série de artigos para a Medyascope, a jornalista turca Emine Bıçakcı descreveu o Süleymancılar como uma comunidade com rígida hierarquia e dura política de isolamento.

Os seguidores de Süleyman têm uma visão negativa sobre a inclusão de mulheres na educação. Eles teriam se beneficiado de privilégios do governo de extrema-direita do presidente Recep Tayyip Erdoğan, que apoia uma educação mais religiosa.

Parte dos integrantes dessa comunidade teriam uma visão de tentar “modernizar” para atrair os mais jovens, permitindo atividades antes proibidas, como assistir TV e jogar video-game.

Precariedade

Em sua tese de mestrado para o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Marmara, a pesquisadora Emine Cakmak diz que os seguidores de Süleyman têm uma série de etapas para recrutar novos integrantes para o grupo.

No trabalho científico, sobre os métodos da educação religiosa desse grupo, Cakmak entrevista pessoas que já frequentaram as madrassas desse grupo religioso, sob a condição de anonimato.

Um dos entrevistados relata que havia muita precariedade na instituição em que estudou, como falta de aquecedor, comida, banho e lavanderia. “Embora houvesse muitos outros problemas, lembro que líamos com muito prazer e tentando não reclamar, graças à educação dada e ao interesse de nossos professores”, relatou o ex-estudante para a pesquisadora.

Mesquita dentro de dormitório Süleymancılar na Turquia

Em março e abril, a reportagem do Metrópoles conversou com dois indígenas que viviam nas instituições do grupo Süleymancılar. A promessa, na época, era que eles poderiam se tornar líderes do grupo religioso no Brasil ou até ganhar estudos em faculdades.

Eles relataram que passavam o dia em atividades religiosas, aulas de turco, árabe e um pouco de inglês. Além disso, contaram que nos dormitórios da Turquia havia garotos de vários outros países da América Latina, Ásia e África.

Denúncias

Essas instituições fechadas para crianças, adolescentes e jovens do grupo Süleymancılar já foram alvos de denúncia dentro da Turquia. Houve denúncias de casos de assédio e omissão.

Em novembro de 2016, por exemplo, 12 pessoas, sendo dez crianças, morreram em um incêndio dentro de um dormitório feminino desse grupo religioso, no distrito de Aladağ em Adana. Familiares das vítimas acusaram a comunidade religiosa de omissão.

Nesta semana, o deputado do partido de oposição CHP, Namık Tan, que também é ex-embaixador, citou o caso revelado pelo Metrópoles, dos indígenas brasileiros levados pelo grupo islâmico, e lançou desconfiança sobre a atuação desse grupo no país.

“Não se deve esquecer que nossas crianças perderam suas vidas e sofreram violência física e psicológica nos dormitórios descontrolados de fundações e associações em Karaman, Adana Aladağ e Elazığ”, alertou o político turco, segundo notícia do jornal Artı Gerçek.

Namık Tan enumerou várias perguntas, pedindo um posicionamento dos Ministérios das Relações Exteriores e da Educação da Turquia. Na semana passada, a vice-presidente do Partido Verde da Turquia, Meral Danış Beştaş, também levou o caso ao parlamento turco. “Com que base legal essas crianças foram mantidas na Turquia por dois anos?”, questionou a deputada.

A atuação desse grupo no Brasil é investigada pela Polícia Federal, que informou ter acionado a Interpol. A Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados também acompanha o caso.

O deputado federal Amom Mandel (Cidadania-AM) informou que pretende montar uma delegação para visitar a Turquia e conferir a situação desses indígenas brasileiros.

A reportagem apurou que a embaixada do Brasil em Ancara chegou a tentar contato com os indígenas na Turquia, mas eles preferiram não falar com a embaixada.

Sem respostas

Em maio, a jornalista turca Hale Gönültaş entrou em contato com os dormitórios de Kutahya e Tarso para saber sobre os jovens brasileiros. Naquele mês, eles tinham sido transferidos temporariamente para um dormitório em Istambul de uma instituição chamada MÂNA, também ligada aos Süleymancılar .

O responsável pelo dormitório de Tarso não gostou de ser questionado pela imprensa. “O que há de errado com você? Por que você seguiu as crianças que seguem o caminho do profeta de Alá?”, respondeu ele na ocasião para a jornalista. Após a publicação da reportagem, integrantes do Süleymancılar atacaram a repórter turca pelas redes sociais.

A reportagem entrou em contato com a MÂNA pelo número fornecido em seu site oficial, mas não obteve retorno até a publicação da matéria.

O Metrópoles também tentou contato com Abdulhakim Tokdemir, principal articulador para levar os indígenas da Amazônia, mas também não houve resposta. A reportagem ainda tentou contato com Yener Çubukçu, outro turco responsável por levar os indígenas, mas também não teve resposta. A reportagem também tenta contato com o atual líder do Süleymancılar na Turquia, Alihan Kuriş.

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