Qual será o futuro do Fundo Amazônia após a sinalização de apoio dos EUA

Em visita ao Brasil, John Kerry, enviado especial dos EUA para Assuntos do Clima, reafirmou a participação do país no Fundo Amazônia

atualizado 01/03/2023 8:54

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Imagem colorida de reunião entre John Kerry e Marina Silva Vinícius Schmidt/Metrópoles

O enviado especial da Presidência dos Estados Unidos para Assuntos do Clima, John Kerry, reafirmou, em visita ao Brasil esta semana, o compromisso dos EUA na cooperação financeira do Fundo Amazônia. Com a participação norte-americana, especialistas declaram que outros países podem aderir ao mecanismo. Kerry sinalizou, em entrevista, que existem discussões relacionadas com o tema ambiental em curso no Senado (US$ 4,5 bilhões) e na Câmara dos Deputados (US$ 9 bilhões). Ele pontuou, no entanto, que a liberação desses valores depende da aprovação legislativa e cabe ao governo de Joe Biden vencer resistências.

De toda maneira, a relação mais estreita entre os governos dos EUA e do Brasil sobre o tema gera reações positivas, independentemente de montantes. A expectativa de ambientalistas é que o apoio americano gere aproximação de governos de outros países com a proposta de preservação da maior floresta tropical do planeta. A esperança é que ocorra uma onda favorável de investimentos internacionais para o fundo.

Criado em 2008, o Fundo Amazônia recebe, atualmente, doações da Alemanha e da Noruega. Com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Reino Unido, França e União Europeia estudam contribuir para o desenvolvimento do mecanismo gerenciado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Em 2009, a primeira doação ao Fundo Amazônia foi de US$ 110 milhões, do governo da Noruega, e com a promessa de destinar US$ 1 bilhão até 2015. Durante 2018, o mecanismo atingiu o valor de R$ 3,4 bilhões, mas o maior montante disponível chegou em 2023, com R$ 5,4 bilhões.

Destinado ao financiamento de projetos para desenvolvimento da economia sustentável, adaptação e mitigação climática, o Fundo Amazônia ficou paralisado durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), sob alegações de supostas irregularidades dos beneficiados pelo mecanismo.

O assessor especial do governo Joe Biden chegou a Brasília na madrugada do último domingo (26/2) e, durante a sua estadia, participou de reuniões com o primeiro escalão da gestão Lula. Entre os principais nomes presentes nos encontros com John Kerry, estão o da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede), o do vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), e o do presidente do BNDES, Aloizio Mercadante.

A assessora de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, Luiza Lima, vê como esperançosa a contribuição do governo dos EUA ao Fundo Amazônia. “É, sem dúvida, positiva a sinalização de participação dos Estados Unidos no Fundo Amazônia. Os Estados Unidos são um grande país, um grande emissor [de gases de efeito estufa]”, declara.

O secretário executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, ressalta que a ajuda dos Estados Unidos pode ser medida de duas maneiras. “Primeiro no valor, que também nós não sabemos o quanto é. Falam em muitos números aí, mas o governo americano já deixa muito claro que precisa da autorização do Congresso para definir valores. Mas todo valor é bem-vindo e é bem-vindo também o apoio político que isso representa”, frisa.

“Então o valor é muito importante, mas a simbologia de você ter os Estados Unidos dentro do Fundo Amazônia é um reconhecimento de que o fundo funciona, de que ele é operativo, de que ele contribui para diminuição do desmatamento e certamente pode incentivar muitos outros países a também colaborarem”, acrescenta Astrini.

Aumento do desmatamento

O presidente Lula iniciou o governo com a promessa de zerar o desmatamento na Amazônia. Entretanto, em fevereiro, o bioma atingiu marca recorde para o mês em toda a série histórica, iniciada em 2015.

Com o desmatamento em 209 km², o secretário executivo do Observatório do Clima reforça o desafio da atual gestão, mas destaca a importância do Fundo Amazônia para conter o avanço da destruição das florestas.

“O que a gente pode chegar a conclusão é que nós temos ainda um sistema de crime operando na Amazônia. O novo governo está apresentando iniciativas para reverter esse quadro, mas vai demorar um tempo. O Fundo da Amazônia é mais importante do que nunca e precisa de mais contribuições do que nunca”, salienta Marcio Astrini.

Repasses para o Brasil são debatidos nos EUA desde 2020

A perspectiva de repasses financeiros norte-americanos para ajudar o Brasil a proteger a Amazônia faz parte do debate político nos dois países desde meados de 2020, quando o atual presidente dos EUA, Joe Biden, ainda disputava a eleição contra Donald Trump.

Em debate no mês de setembro daquele ano, Biden fez promessa em tom de ameaça ao dizer que, se o Brasil não parasse de deixar a floresta queimar, o país iria enfrentar “consequências econômicas significativas” em seu eventual governo.

“Eu iria agora mesmo organizar, no hemisfério e no mundo, para comprometer US$ 20 bilhões para a Amazônia, para que o Brasil não queime mais a Amazônia”, disse Biden, na ocasião. O discurso revoltou o então presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (PL).

Já no dia seguinte ao debate, Bolsonaro comentou sobre a promessa do então candidato norte-americano: “Dos números que ele [Biden] falava no debate não batia coisa com coisa, falava uns absurdos”. O então mandatário brasileiro considerou “lamentável” a ameaça de sanções.

“A gente lamenta aqui aquele debate lá nos Estados Unidos, do Trump e do Joe Biden, que num dado momento o Joe Biden falou que ia conseguir, junto ao mundo, US$ 20 bilhões pra dar pra gente pra acabar com o incêndio na Amazônia, ou então ele ia impor sanções econômicas para nós”, disse Bolsonaro.

Já o então ministro do Meio Ambiente do Brasil, Ricardo Salles, ironizou a promessa perguntando se “a ajuda dos US$ 20 bilhões do Biden é por ano”.

Para a assessora de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, o ex-presidente Bolsonaro dificultou a entrada dos Estados Unidos no Fundo Amazônia. “Biden, na sua campanha presidencial em 2020, tentou buscar um acordo com o Brasil para ajudar a financiar a conservação, mas desistiu da ideia devido à política antiambiental do governo Bolsonaro”, reitera Luiza Lima.

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De acordo com a pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), mais da metade (51%) do desmatamento do último triênio ocorreu em terras públicas, principalmente (83%) em locais de domínio federal
Dois anos após o Dia do Fogo, as queimadas na região voltaram a quebrar recordes anuais. Em 2020, a Amazônia Legal registrou o maior índice dos últimos nove anos (150.783 focos de fogo), um valor 20% maior que no ano anterior e 18% maior que nos últimos cinco anos
Em 2019, Bolsonaro se envolveu em algumas polêmicas ao ser pressionado sobre as medidas para controlar a situação das queimadas na Amazônia. Na época, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou que o mês de julho havia registrado aumento de 88% nos incêndios, em comparação com o mesmo período do ano anterior
Bolsonaro chegou a culpar as organizações não governamentais (ONGs) pela situação na floresta. Segundo o presidente, o objetivo era enviar as imagens para o exterior e prejudicar o governo
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A destruição de florestas na Amazônia alcançou um novo e alarmante patamar durante o governo Bolsonaro. O desmatamento no bioma aumentou 56,6% entre agosto de 2018 e julho de 2021, em comparação ao mesmo período de 2016 a 2018

Igo Estrela/Metrópoles
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De acordo com a pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), mais da metade (51%) do desmatamento do último triênio ocorreu em terras públicas, principalmente (83%) em locais de domínio federal

Igo Estrela/Metrópoles
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Dois anos após o Dia do Fogo, as queimadas na região voltaram a quebrar recordes anuais. Em 2020, a Amazônia Legal registrou o maior índice dos últimos nove anos (150.783 focos de fogo), um valor 20% maior que no ano anterior e 18% maior que nos últimos cinco anos

Igo Estrela/Metrópoles
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Em 2019, Bolsonaro se envolveu em algumas polêmicas ao ser pressionado sobre as medidas para controlar a situação das queimadas na Amazônia. Na época, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou que o mês de julho havia registrado aumento de 88% nos incêndios, em comparação com o mesmo período do ano anterior

Fábio Vieira/Metrópoles
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Bolsonaro chegou a culpar as organizações não governamentais (ONGs) pela situação na floresta. Segundo o presidente, o objetivo era enviar as imagens para o exterior e prejudicar o governo

Fábio Vieira/Metrópoles
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Diante da polêmica, o governo lançou edital com o intuito de contratar uma equipe privada para monitorar o desmatamento na Amazônia. O presidente também convocou um gabinete de crise para tratar das queimadas e prometeu tolerância zero com os incêndios florestais

Fotos Igo Estrela/Metrópoles
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Porém, durante os três anos de governo de Jair Bolsonaro, as políticas ambientais foram alvo de críticas devido aos cortes orçamentários, desmonte de políticas de proteção ambiental e enfraquecimento de órgãos ambientais

Reprodução
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Em 2020, na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o chefe do Executivo voltou a criar polêmicas ao declarar que os incêndios florestais eram atribuídos a "índios e caboclos" e disse que eles aconteceram em áreas já desmatadas. Além disso, Bolsonaro alegou que o Brasil é vítima de desinformação sobre o meio ambiente

Agência Brasil
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No ano seguinte, Bolsonaro elogiou a legislação ambiental brasileira e o Código Florestal e enalteceu a Amazônia durante a assembleia. Além disso, disse que o futuro do emprego verde estava no Brasil

Agência Brasil
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Em novembro de 2021, o presidente classificou as notícias negativas sobre a Amazônia como “xaropada”. Contudo, de acordo com o Inpe, a área sob risco tem 877 km², um recorde em relação à série histórica

Lourival Sant’Anna/Agência Estado
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Durante um evento de investidores em Dubai, Jair disse que a Amazônia não pega fogo por ser uma floresta úmida e que estava exatamente igual quando foi descoberta, em 1500

Agência Brasil
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Bolsonaro costuma falar com apoiadores no Palácio da Alvorada todos os dias

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Estudo do Ipam, divulgado em 2022, alerta que a tendência é o desmatamento crescer ainda mais na Amazônia caso sejam aprovados projetos de lei que estão em discussão no Congresso. Segundo o instituto, esses textos preveem a regularização de áreas desmatadas e atividade de exploração mineral em terras indígenas

Ernesto Carriço/NurPhoto via Getty Images

Decepção em viagem de Lula aos EUA

Depois da grandiosidade da promessa feita durante a campanha, o primeiro anúncio oficial de doação dos EUA para a questão amazônica, já sob o comando do presidente Lula, foi encarado com decepção pelo governo brasileiro.

No início de fevereiro, na primeira viagem do petista aos EUA após sua terceira posse como presidente, o governo norte-americano só se comprometeu a aportar US$ 50 milhões no Fundo Amazônia, por meio do qual Alemanha e Noruega, com uma pequena contribuição da Petrobras, ajudam na proteção da floresta.

Posteriormente, o governo brasileiro estimava aporte de, pelo menos, US$ 1 bilhão. No Brasil, Kerry sinalizou que existem recursos para projetos ambientais em valores até superiores em tramitação no Congresso, mas que depende do parlamento para liberação.

Como funciona o Fundo Amazônia?

Com o objetivo de combater o desmatamento e fomentar o desenvolvimento sustentável, o Fundo Amazônia financia, por meio do BNDES, projetos que contribuam para prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento das florestas na Amazônia Legal.

O Fundo Amazônia funciona como um mecanismo para a captação de recursos – as verbas são destinas a projetos que estejam de acordo com políticas aprovadas pelo governo federal. Uma dessas políticas é o Plano para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAM), retomado pela gestão Lula.

As doações do Fundo Amazônia podem ser destinadas a projetos de organizações não governamentais (ONGs), entidades públicas, associações civis, empresas privadas e cooperativas. Entretanto, os projetos elegíveis pelo mecanismo devem contribuir direta ou indiretamente para a redução do desmatamento na Amazônia.

Além disso, os projetos apresentados deverão seguir as diretrizes do Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa), que irá analisar a indicação dos recursos. O conselho é formado pelo governo federal, por governos estaduais e pela sociedade civil.

Áreas atendidas pelo Fundo Amazônia:

  • gestão de florestas públicas e áreas protegidas;
  • controle, monitoramento e fiscalização ambiental;
  • manejo florestal sustentável;
  • atividades econômicas desenvolvidas a partir do uso sustentável da vegetação;
  • zoneamento ecológico e econômico, ordenamento territorial e regularização fundiária;
  • conservação e uso sustentável da biodiversidade; e
  • recuperação de áreas desmatadas.

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