Com pressa por dinheiro, 92% das mulheres negras empreendem sozinhas

Realidade faz com que maioria das mulheres negras liderem menores empresas. Especialistas reforçam responsabilidade de bancos e consumidores

atualizado 01/06/2023 20:18

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Vinícius Schmidt/Metrópoles

Valéria Assunção, 29 anos, se lembra bem de quando começou um negócio por conta própria, em Brasília, há quase sete anos. Dona de um estúdio de danças urbanas em Águas Claras, cidade de classe média alta do Distrito Federal, a empresária, como diversas outras mulheres negras fazem, precisou ser multitarefa nos primeiros meses da escola.

“Eu era a pessoa de marketing, a profissional de limpeza, a responsável pelo financeiro. E, claro, a professora de dança”, relata Valéria, enquanto ri das lembranças. Mas uma pausa na fala logo vem. “No fundo, é exaustivo. Isso te cansa, te suga, te faz querer desistir, porque são muitos problemas que demandam sua atenção. Mas o que eu podia fazer? Desistir não era uma opção. O mercado não ia abrir outra porta para mim”.

Valéria é uma das milhares de mulheres negras brasileiras que, após não encontrarem oportunidade no mercado tradicional, decidiram abrir o próprio negócio. De acordo com dados divulgados pelo Sebrae, 92% delas não contratam funcionários para essa jornada.

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"Eu nunca me dispus a me colocar em um lugar de vítima. Quero ser respeitada e admirada pelo conhecimento que tenho, e assim foi", conta a empresária
Valéria Assunção começou o próprio negócio em 2016, em Brasília, com o objetivo de dar mais visibilidade para as danças urbanas
Hoje, a escola conta com cerca de 120 alunos e 13 funcionários em 6 modalidades de dança diferentes
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Agora com 29 anos, a dona do estúdio consegue focar nas suas atividades de gestão e conta com uma equipe própria para as aulas e divulgação

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"Eu nunca me dispus a me colocar em um lugar de vítima. Quero ser respeitada e admirada pelo conhecimento que tenho, e assim foi", conta a empresária

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Valéria Assunção começou o próprio negócio em 2016, em Brasília, com o objetivo de dar mais visibilidade para as danças urbanas

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Hoje, a escola conta com cerca de 120 alunos e 13 funcionários em 6 modalidades de dança diferentes

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Ou seja, coordenam todo o empreendimento por conta própria. Por outro lado, o estudo aponta que 20% dos homens brancos trabalham com pelo menos um empregado em sua empresa.

Pressa por resultado

A pesquisa, que cruza informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE (PNADC) do segundo trimestre de 2022, mostra também que as mulheres negras estão à frente dos menores negócios. Cerca de 82% delas empregam entre um e cinco pessoas. Entre os homens brancos, o valor é de 69% nesse tamanho de empresa.

“Essa informação está relacionado a dois pontos principais: renda e escolaridade. Essas empreendedoras geralmente têm uma renda menor, um menor capital inicial, menor alavancagem financeira e mais dificuldade de alcançar crédito. Por isso, tendem a estar nos menores negócios”, explica Marco Debê, analista de gestão estratégica do Sebrae e responsável pelo estudo.

Como mostra a pesquisa, cerca de 80% das empreendedoras negras brasileiras têm escolaridade completa até o ensino médio, o que favorece o empreendimento em áreas de “menor complexidade”, como o setor de comércio, onde são maioria.

Para a consultora em comunicação inclusiva na agência BlackID Renata Camargo, os dados comprovam como as violências de gênero e raça influenciam o sucesso profissional dos indivíduos.

“A maioria dessas mulheres empreende por necessidade, não por oportunidade, que é quando você decide criar uma empresa porque viu uma abertura de mercado, mas já tem certa segurança financeira. Elas precisam de dinheiro rápido, para sustentar a família, para pagar as contas, então empreendem com pressa por resultado”, explica a especialista.

De acordo com Camargo, essa necessidade faz com que muitos negócios dessas mulheres comecem sem o preparo básico. Isso dificulta a estabilidade e o crescimento no médio e longo prazo.

“Vamos supor que você tem uma venda de bolo. Se você não sabe a sua margem de lucro diária, de quantos bolos precisa vender, quanto pode gastar com o preparo, as contas não vão bater no fim do mês. Você só vai ter a falsa ilusão de estar ganhando dinheiro. Quando a ficha cai é frustrante e desgastante. Você quer desistir”, exemplifica.

Mulheres negras lutam por confiança do mercado

Renata Camargo participa do projeto Aceleradas desde 2022, onde orienta e acompanha diferentes empreendedoras negras em seus negócios individuais. Ao longo do tempo de mentoria, a especialista consegue enxergar que essas mulheres partem de um contexto particular, repleto de desafios e soluções diferentes de outros casos.

“Essa empreendedora tem outra formação de base, outra experiência de vida, e isso precisa ser levado em consideração quando elas buscam uma linha de crédito, por exemplo. Quando uma gerência de um banco vai te avaliar, mulher negra, para conceder o dinheiro, ela não pode usar o mesmo parâmetro que utiliza para brancos, ou herdeiros”, ressalta a consultora.

De acordo com estudo realizado pela organização PretaHub em 2019, 32% dos empreendedores negros tiveram um pedido de crédito negado sem uma justificativa plausível.

Camargo explica que, para conceder linhas de crédito, muitos bancos pedem que o interessado apresente um imóvel como uma garantia de segurança, o que, na regra, poucas mulheres negras serão capazes de fazer. Mas as questões de confiança não esbarram apenas nas instituições financeiras.

“Vamos supor que essa mulher já conseguiu avançar com o empreendimento. Ela logo enfrenta um outro momento: o de conquistar a confiança do público-alvo. Seja por um racismo confesso, ou um viés inconsciente, muitos consumidores associam atributos como segurança e credibilidade a pessoas brancas e a figuras masculinas. Uma mulher negra precisa, então, se esforçar mais do que todo mundo para conseguir o respeito do mercado”, detalha a consultora.

Fator “confiança”

No caso de Valéria, professora de dança em Brasília, o fator “confiança” chegou a prejudicar até mesmo o início da sua carreira, quando foi demitida de uma das escolas em que trabalhava.

“Antes de abrir o meu estúdio, comecei a dar aulas de dança aos 18 anos, em outras escolas da cidade. Era bem comum que pais e funcionários duvidassem da minha capacidade técnica, eu, uma mulher negra jovem”, relata a empresária, que ainda teve de lidar com esse mesmo problema quando começou a liderar a própria escola.

“Um homem branco na frente de uma turma ou escola de dança tem mais autoridade do que eu só por ser como ele é. Mas eu nunca me dispus a me colocar em um lugar de vítima. Quero ser respeitada e admirada pelo conhecimento que tenho, e assim foi”, diz a dona do estúdio. Hoje ela conta com 13 funcionários para atender 120 alunos em 6 modalidades de danças urbanas.

A falácia do “racismo reverso”

Para que mais casos como o de Valéria sejam registrados, diferentes agentes devem fazer parte da solução, no curto, médio e longo prazo, como reforça Camargo. A consultora pontua que cabe ao consumidor rever os critérios que utiliza para escolher determinadas empresas em detrimento de outras, assim como é responsabilidade do mercado normalizar a aplicação de políticas afirmativas pelos bancos e organizações de empreendedorismo.

“Hoje existem programas de oferta de linha de créditos para microempresas de pessoas negras, mas muitas empresas e consumidores insistem em encarar isso como um ‘racismo reverso’ e criticam as medidas. As organizações, então, recuam nas propostas. É necessário entender a questão estrutural com a qual estamos lidando. As mulheres negras vêm de um contexto social e econômico completamente diferente da maioria dos outros empreendedores”, destaca.

Em 2020, a empresa Magazine Luiza foi alvo de polêmicas e boicotes de clientes depois de anunciar um programa trainee especial para funcionários negros na organização, após constatar que os cargos de liderança interna sofriam com baixa diversidade de raça. Na época, o deputado federal Carlos Jordy (PL) fez menção de entrar com representação no Ministério Público contra a marca.

Mesmo assim, existem iniciativas que seguem com o incentivo. O projeto Empreenda Afro, realizado pela Agência de Desenvolvimento de São Paulo, divulgou nesta semana que criará uma linha de microcréditos especiais para empreendedores negros no estado. Os valores de empréstimo variam entre R$ 200 e R$ 21 mil. Para entrar com o pedido, o empreendor precisa preencher um formulário de interesse.

Enquanto isso, o Projeto de Lei Complementar PLP 215/2021, do Senador Fabiano Contarato (PT/ES), tramita no Senado Federal. A proposta busca facilitar a concessão de créditos para empreendedores e profissionais liberais negros ao exigir que instituições financeiras apresentem políticas internas que permitam essa mudança.

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