Cartão corporativo: entenda recurso que revelou gastos de Bolsonaro

Saiba se há ilegalidade nos gastos com o cartão corporativo feitos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em hotéis, padarias e motociatas

atualizado 05/02/2023 13:35

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O ex-presidente Jair Bolsonaro mostra cartão à plateia em cerimônia do governo. Ele sorri, com telão atrás - Metrópoles Isac Nóbrega/PR/Flickr

Em uma padaria de Santa Catarina, R$ 62 mil. Em sorveterias, R$ 8,6 mil. E em um mesmo hotel no Guarujá, no litoral paulista, R$ 1,46 milhão. Todos esses valores estão presentes nos comprovantes de compras realizadas pela equipe do ex-presidente Jair Bolsonaro ao longo do seu mandato, entre 2019 e 2022. 

Os dados, disponibilizados pela Secretaria-Geral da Presidência da República a pedido da agência Fiquem Sabendo, reverberaram na imprensa e nas redes sociais nos últimos dias. O que muitos não entendem, porém, é como funciona o cartão corporativo e para quais despesas ele pode ser usado.

Cartão criado para “casos excepcionais”

Oficialmente chamado de Cartão de Pagamento do Governo Federal, o recurso foi criado em 2001 por Fernando Henrique Cardoso e atualizado em decreto de 2005, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O principal objetivo das lideranças era centralizar os gastos chamados de “excepcionais” em um único lugar.

“Normalmente, a estrutura do Governo Federal organiza licitações para bancar seus gastos, como em viagens, obras públicas, banquetes. É um processo moroso e demorado, o que nem sempre funciona para gastos excepcionais do dia a dia”, explica Maria Tereza, professora de Direito Administrativo da Universidade Federal de Minas Gerais. 

De acordo com a especialista, o cartão corporativo presidencial foi criado para lidar com cobranças corriqueiras, como a compra de materiais de escritório, a autenticação de um documento em firma, dentre outros casos que não demandam a abertura de um processo burocrático.

“Antes disso, nós já tínhamos ferramentas como o suprimento de fundos, ou o pronto pagamento, que permitia aos servidores do executivo fazer essas compras mais imediatas e simples. Era tudo feito por meio dos antigos cheques, mas os comprovantes ficavam espalhados. Com o cartão, fica tudo reunido no mesmo lugar”, detalha Maria Tereza. 

Lei não impõe limites claros, mas CGU orienta “cautela”

De acordo com o decreto 5355, de 2005, o cartão corporativo da Presidência serve para suprir despesas eventuais em viagens, em atividades sigilosas ou em pagamentos a prestadores de serviços de cotação de preços, reservas e emissão de passagens. 

Além disso, o mesmo decreto prevê despesas “de pequeno vulto”, que incluem compras no valor máximo de R$ 800, por exemplo, até contratação de serviços de engenharia orçados em R$ 1500.

Entretanto, existem algumas brechas na legislação que torna essa limitação de gastos sujeita à variação e avaliação das autoridades responsáveis pelo cartão, como relembra Mamede Said Maia Filho, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.

“Um decreto de 1986 diz que o suprimento de fundos segue um ‘regime especial’ para atender ‘peculiaridades’ da presidência, além de outros ministérios maiores, como o da saúde, por exemplo”, elucida o doutor em Direito, Estado e Constituição pela UnB. 

Segundo o professor, na prática, é como se não houvesse um limite estabelecido para o presidente, porque a legislação não detalha quais seriam essas “peculiaridades” do Planalto que podem ou não ser motivo de exceção nas despesas. 

Mamede relembra, porém, que qualquer gasto presidencial deve observar os princípios da administração pública, entre eles o da moralidade e da impessoalidade. 

“A própria Controladoria Geral da União publicou uma orientação de que os gastos com o cartão corporativo sejam feitos com cautela, uma vez que o cartão foi criado para gastos excepcionais e pontuais. O que nós observamos nos comprovantes de Jair Bolsonaro, porém, não é isso”, destaca o professor. “Ele precisará apresentar uma justificativa para os valores exorbitantes em um recurso que deveria ser usado em momentos específicos”. 

De acordo com as notas disponibilizadas pela Secretaria-Geral da Presidência da República, a gestão do ex-presidente gastou R$ 27,6 milhões entre 2019 e 2022 no cartão corporativo, incluindo R$ 362 mil em padarias e R$ 10,5 milhões em serviços de hotelaria, por exemplo. 

O valor divulgado, porém, é menor do que o total gasto, uma vez que o processo de digitalização dos comprovantes é demorado e leva tempo. O Portal da Transparência do governo informa que Bolsonaro teve uma despesa de R$ 75 milhões com o cartão, embora esses custos não estejam discriminados. 

“Costumo dizer que os  presidentes não têm salário e, sim, poupança. Tudo o que imaginamos relacionados ao dia a dia da família presidencial e seguranças são pagos pelos cidadãos. E os presidentes, seja quem for, comem iguarias preparadas por chefs famosos, vestem-se bem orientados por estilistas, têm cabeleleiros e outros serviços pessoais à disposição, consomem bebidas alcoólicas, tudo pago pelos contribuintes”, opina o economista Gil Castello Branco, integrante da organização Contas Abertas. 

Sigilo das contas 

As informações sobre os gastos de Bolsonaro com o cartão presidencial estavam protegidos pela Lei de Acesso à Informação (LAI) até o fim do mandato. Os sigilos dos gastos de um presidente, porém, sempre caem na transição para um novo governo, de acordo com a legislação brasileira. Eles nada tem a ver com o bloqueio de 100 anos impostos pelo ex-líder do Executivo federal a certas informações.

“Há despesas que, compreende-se, sejam sigilosas. Certas operações da Polícia Federal, por exemplo,  não podem ser antecipadas com emissões de notas de empenho, descrevendo previamente os nomes dos agentes, o local, a data, etc”, explica Castello Branco. 

Como o economista lembra, organismos internacionais também avaliam que os gastos de uma família presidencial também devem ser mantidos em sigilo, uma vez que a compra em um determinado estabelecimento pode facilitar a execução de um atentado, por exemplo. 

“No entanto, grande parte das informações não são divulgadas, pois as autoridades não querem passar pelo constrangimento de verem algumas compras reveladas”, destaca.

Durante entrevista à rádio Jovem Pan, em 2022, Jair Bolsonaro afirmou que nunca havia usado o recurso, depois do Tribunal de Contas da União (TCU) abrir uma apuração para investigar a origem de despesas exorbitantes desnecessárias identificadas nas faturas do cartão presidencial. 

Gastos com cartão em motociata

Conforme revelou a coluna do jornalista Guilherme Amado, do Metrópoles, Bolsonaro também utilizou o cartão corporativo para custear o lanche de apoiadores durante motociatas organizadas por manifestantes bolsonaristas, assim como para abastecer motos da própria Agência Brasileira de Inteligência (Abin) presentes no movimento. 

De acordo com os especialistas, a legislação eleitoral proíbe esse tipo de prática.

“Se essa correlação for comprovada pela Justiça, o Tribunal de Contas da União poderá considerar que o governo feriu os princípios da razoabilidade, moralidade e impessoalidade ao usar recursos públicos em manifestações de cunho eleitoral e partidário”, reforça Mamede, da UnB. 

A colunista Bela Megale, do jornal O Globo, adiantou, nessa sexta-feira (27/1), que a Advocacia-Geral da União (AGU) estuda a possibilidade de pedir ressarcimento de parte do valor gasto por Bolsonaro com o dispositivo. 

O ministério está cruzando informações das despesas do cartão com datas da campanha e pré-campanha presidencial. Se forem constatados gastos com fins eleitorais, os valores teriam que ter sido retornados pela campanha do político. 

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