Com Bruna Lima, Edoardo Ghirotto, Eduardo Barretto e João Pedroso de Campos

Múcio parece não se interessar em mudar artigo 142, diz Rui Falcão

Presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Rui Falcão é a favor de PEC sobre o artigo 142, que acabaria com GLO

atualizado 22/03/2023 18:30

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O deputado Rui Falcão, oficializado nesta quarta-feira (22/3) presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Câmara dos Deputados, defende uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para alterar o artigo 142 da Constituição, usado por bolsonaristas, sem base, para justificar um pedido de intervenção militar no país.

A proposta foi articulada dentro do PT em resposta à tentativa de golpe de 8 de janeiro. Falcão ressalta que, como presidente da CCJ, não dará prioridade à PEC, e que a defende “como deputado do PT”. De autoria de Carlos Zarattini, também do PT de São Paulo, a proposta ainda não tem o mínimo de 171 assinaturas para tramitar na Câmara.

O artigo 142 afirma que as Forças Armadas “são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

É com base nela que há a Garantia da Lei e da Ordem (GLO). A PEC proposta por Zarattini quer (1) extinguir a possibilidade de GLO, (2) afastar qualquer interpretação das Forças como um “poder moderador” e (3) proibir a participação dos militares da ativa na política.

O colunista do Metrópoles Igor Gadelha mostrou, na semana passada, que o comandante do Exército Tomás Paiva entrou em campo para tentar brecar a articulação dos deputados do PT pela PEC.

Nesse último ponto, há uma congruência entre o que propõe o PT e o que tem defendido o ministro da Defesa, José Múcio. O governo deve enviar ao Congresso uma PEC, costurada por Múcio junto às Forças Armadas, que envia para a reserva militares que queiram disputar as eleições ou assumir cargo de ministro no Executivo.

Para Rui Falcão, o “ideal” seria que Múcio incluísse a alteração do artigo 142 em sua proposta. Ele não enxerga, porém, uma vontade do ministro em fazer essa sugestão.

Em entrevista à coluna, o deputado falou também sobre uma questão sobre a qual a CCJ deve se debruçar: o “apensamento” de PECs. Apensar uma PEC nova a uma antiga hoje é um método comum para acelerar a tramitação das propostas de interesse do Congresso, mas é questionado por diminuir o tempo de debate nas propostas nas comissões, como a CCJ.

Leia abaixo.

Qual sua posição sobre a PEC dos militares, do PT, que pode passar pela CCJ?
A PEC dos militares não tem um número de assinaturas ainda. O ministro José Múcio, quando houve o início do debate sobre a PEC do 142, se apressou em colocar dois itens em pauta, que ele vai transformar provavelmente num projeto, imagino.

O primeiro, proibindo ou determinando que militar, quando assume cargo civil, passa imediatamente para a reserva, e, segundo, no mesmo projeto, que o militar que se inscrever como candidato passa imediatamente para a reserva, independentemente de se eleger ou não.

Hoje, quando o militar perde a eleição, ele volta para o quartel. Então eu já vi o ministro falar nesses dois itens, parece que tem apoio inclusive na corporação militar. Então imagino que isso chegará aqui dentro de algum tempo.

Essa proposta não poderia tramitar junto com a do PT?
O problema é que a PEC [do PT] ainda não existe, não tem assinaturas.

Não pode ser discutido em conjunto?
É, se ele incorporasse, por exemplo, a mudança do artigo 142, seria o ideal. Mas parece que eles não estão interessados nisso.

As Forças Armadas?
Não. As Forças Armadas são muito amplas, tem gente que é a favor, tem gente que é contra. O ministro é que parece que não tem interesse. Pelo menos nunca vi ele se manifestar sobre alterar o artigo 142.

Qual a justificativa para mudar o artigo 142, na visão do senhor?
Vou te falar como deputado do PT e não como presidente da CCJ. O que eu vou falar não significa que vou dar trânsito privilegiado para a emenda se chegar aqui. Tem vários setores, inclusive o ex-embaixador dos Estados Unidos, o Rubens Barbosa, que não tem nada a ver com o PT nem com a esquerda, que acham interessante mudar o artigo 142.

Por quê? Porque o papel constitucional dos militares é defender a soberania nacional, defender a pátria, cuidar da segurança das fronteiras. E deve efetuar, como já efetua, atividades de defesa civil. Por exemplo, quando os soldados do Exército, da Aeronáutica, vão lá levar remédio para os yanomamis, isso é uma atividade de defesa civil. Quando os navios da Marinha chegam até lá também, para levar socorro, também é uma atividade de defesa civil. E essa é uma atividade meritória muito reconhecida pela população, onde a população prestigia e valoriza as Forças Armadas. Quando, por exemplo, os pracinhas foram combater o nazismo e o fascismo na Itália, quando morreram 400 e tantos pracinhas. São heróis nacionais.

Quando as Forças Armadas vão numa favela reprimir, sem a expertise que têm os organismos policiais, sempre dá problema. Tem mortes, mortes de ambos os lados, às vezes. A polícia é que deve exercer ação de polícia. Militar deve ter outras tarefas, precisamente definidas na Constituição. É muito amplo o conceito de lei e ordem. Esse chamamento às Forças Armadas justificou, por exemplo, o golpe de 64. Então é para que as Forças Armadas não interfiram na política, como já fizeram em vários momentos, ou como parte delas, inclusive, interfira, como foi no caso do Rio de Janeiro, como foi no caso do ex-comandante do Exército Paulo Sérgio, que foi comandante do Exército, questionando as urnas e interferindo nos trabalhos do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). É para impedir que exista uma interpretação sobre o “Poder moderador das Forças Armadas”. Para eliminar essa ambiguidade, vamos tirar.

Por que a PEC não tem ainda o mínimo de assinaturas?
Porque o processo de coleta de assinaturas foi dificultado, precisa de um QR Code. Antes você telefonava e bastava o cara dizer “põe minha assinatura aí”. Então agora tem um processo mais moroso, precisa passar um por um e pedir para colocar no celular e tal.

É só a dificuldade burocrática?
Tem as duas coisas, não vamos nos iludir. Tem a dificuldade burocrática, mas as pessoas também perguntam “será que é hora disso, mexer com os militares?”. Vai ter que ter convencimento político.

Quais as suas prioridades na CCJ?
Estou conseguindo já no começo implantar um método democrático de gestão da CCJ. Reunir os coordenadores de cada partido e tentar fixar uma pauta em conjunto. A prerrogativa de fazer a pauta é do presidente, então eu posso fazer a pauta sem ouvir ninguém, mas não é esse meu método. Porque facilita o correr dos trabalhos [negociar antes].

Chegam muitas demandas. Demandas de pautar projetos, demandas de audiência pública e pedidos de relator. Nós temos, hoje, 9.122 projetos aguardando decisão. Propostas de Emenda à Constituição são 209, com mais 207 apensadas. Projetos de lei, 7.160.

Como definir a ordem de tudo isso?
Existe uma questão a ser dirimida antes: como se apensa uma PEC? Um deputado [Arthur Maia, antecessor de Falcão na CCJ, do União Brasil da Bahia] quer apresentar um projeto de resolução sobre isso. Ele acha que as PECs só poderiam ser apensadas quando estiverem em trâmite no mesmo estágio, e não como ocorreu no governo Bolsonaro em dois momentos diferentes, do Bolsa Família e, agora, na PEC da Transição. Houve um apensamento, e ele acha que isso esvazia a comissão, além de considerar que é inconstitucional.

Qual é a sua opinião sobre o apensamento?
Independentemente da interpretação que se dê, eu acho que precisa ter uma conversa política com o presidente Arthur Lira, para que nem todas as PECs sejam apensadas, senão você esvazia também o trabalho da Comissão, tira o protagonismo dos deputados.

Mas eu quero crer que houve a interpretação mais restrita por causa da urgência que era a questão da PEC da transição. Então encontraram um caminho, que aparentemente violava esse princípio constitucional, para dar efetividade a um projeto que era quase que uma questão nacional. Precisa ter um equilíbrio nisso. Acho que isso não será resolvido só pelo debate regimental. Tem que ter um processo de debate político com o presidente.

O senhor tem dialogado com o Executivo sobre as prioridades?
Sim. Hoje mesmo eu conversei com o líder do governo José Guimarães [do PT do Ceará], pedindo que eles começassem a estabelecer suas prioridades. Até o momento isso não foi definido para mim. Ainda não me transmitiram quais são as prioridades.

Mas há o marco fiscal, a reforma tributária e o trâmite das Medidas Provisórias, que está dependendo desse entendimento [entre Arthur Lira, presidente da Câmara, e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado]. Pelo que eu vejo na imprensa, das declarações de ministro, do próprio presidente Lula, são essas as prioridades.

Há tempo para aprovar nesse ano o marco fiscal e a reforma tributária?
Eu quero crer que sim, até porque o marco fiscal deve ser já mandado para cá. O prazo final é agosto. Então o ministro Fernando Haddad [Fazenda] já está antecipando e dizendo que mandará para que a gente possa, quando for votar a LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias], já ter um novo marco fiscal. Se não, estaremos submetidos ainda ao teto de gastos.

Sobre a reforma tributária, o presidente do grupo de trabalho, Reginaldo Lopes [do PT de Minas Gerais], disse que até o final de maio concluirá os trabalhos. Então logo depois, em maio ou no final de maio, a reforma tributária deve chegar na CCJ.

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